E a profecia se fez como previsto: o ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB) foi preso na tarde desta quarta-feira (19) pela Polícia Federal em Brasília a partir de pedido de prisão preventiva expedido pelo juiz Sérgio Moro, dentro da Operação Lava Jato. De Brasília, Cunha embarcou em um voo para Curitiba, onde deve permanecer detido por tempo indeterminado.
Na segunda-feira (17), Moro havia intimado Cunha, dando prazo de dez dias para o ex-presidente da Câmara apresentar a sua defesa, mas acabou acelerando o rolê e mandou Cunha mais cedo para o xilindró sob a alegação de que ele representaria risco “à instrução do processo, à ordem pública, como também a possibilidade concreta de fuga em virtude de disponibilidade de recursos ocultos no exterior, além da dupla nacionalidade (Cunha é brasileiro e italiano)”.
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Pelas revelações feitas agora pela Lava Jato, realmente alguns pontos são preocupantes: o pedido de prisão incluía um pedido de bloqueio de bens no montante de mais de R$ 220 milhões, um dos maiores bloqueios de bens de pessoa física já pedidos pela operação. Além disso, a possibilidade de fuga do país tem precedentes como o caso do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, que fugiu para a Itália em 2013 para evitar a sua prisão no caso do Mensalão e só foi extraditado ao Brasil em 2015.
Em seu Facebook, Cunha considerou a sua prisão “absurda”, enquanto um de seus advogados, o criminalista Ticiano Figueiredo, classificou a decisão de Moro como “surpreendente”. Não foi só a defesa de Cunha que criticou a prisão — juristas como Salah H. Khaled Jr., da FURG, e Pedro Estavan Serrano, da PUC-SP, também consideraram a ação “desnecessária”. “A regularidade da prisão preventiva de Cunha é tão questionável como infinitas outras barbáries recentes”, resumiu Khaled. Segundo a coluna de Lauro Jardim n’O Globo, a defesa do ex-deputado deve apresentar um pedido de habeas corpus na sexta-feira (21).
Em Brasília a situação parece ter ficado bem tensa, segundo os jornalistas locais. A Câmara dos Deputados paralisou todas as atividades desta quarta, quando tentaria votar mais uma rodada do projeto de liberação de exploração do pré-sal. A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) notou o “silêncio sepulcral” da Casa diante da prisão, enquanto Pauderney Avelino (DEM-AM), líder do partido na Câmara, disse que a ação causara um “estresse político” na capital e que “abria caminho para a prisão de Lula”. Ivan Valente (PSOL-SP) criticou a demora da prisão de Cunha, enquanto Alessandro Molon (Rede-RJ) se disse orgulhoso de ter apresentado o pedido de cassação do ex-deputado, ao lado do PSOL. Silvio Costa (PTdoB-PE) lembrou o ditado de que “se colhe o que se planta”, enquanto Rogerio Rosso (PSD-SP) afirmou que a prisão não deve atrapalhar as votações em andamento.
No Planalto o momento também é de apreensão. A ordem é de que não se comente oficialmente o assunto, uma vez de que há receio de que Cunha possa realizar uma delação premiada que atingiria membros do “núcleo duro” da Presidência. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) também ficou pianinho: “O que importa saber o que eu acho?”, questionou o pemedebista. O ex-interino Michel Temer, que estava em visita oficial ao Japão após ter participado da reunião de cúpula dos Brics, adiantou a viagem de volta ao Brasil, sem informar o motivo. Não é só o governo que se preocupou com a situação. Jandira Feghalli (PCdoB-RJ), líder da minoria na Câmara, disse que a prisão pode ter acontecido para dar uma “falsa isenção” à Lava Jato, acusada recentemente de ser “partidária” pela prisão seguida de petistas, como os ex-ministros Antonio Palocci e Guido Mantega, e assim “seguir em rota com a prisão de Lula”. Até os jornalistas, acostumados com vazamentos e avisos da Lava Jato, foram pegos de surpresa, e Moro ordenou que Cunha não fosse filmado e nem algemado.
A partir de agora a Lava Jato pode entrar em uma das suas mais incisivas fases. A especulação principal, antecipada há meses, especialmente depois que Cunha foi suspenso de suas atividades parlamentares pelo STF e finalmente cassado por 450 votos na Câmara dos Deputados, é de que Cunha poderia fazer uma delação premiada ampla, atingindo inúmeros nomes da Câmara, Senado e inclusive do Governo Federal. Essa perspectiva fez a nova oposição comemorar a sua prisão. O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) afirmou no plenário que, se Cunha delatar, “esse governo de Michel Temer não se sustentará por um dia”. O deputado federal Ivan Valente disse que esta seria a “delação das delações”, enquanto Miro Teixeira (Rede-RJ) declarou que o ex-deputado faria “um grande bem para o Brasil se delatasse, se desse nome aos bois”.
Em conversas recentes com aliados, Cunha teria avaliado que poderia ser preso a qualquer momento, mas teria dito que preferiria “morrer” a delatar. Segundo Gerson Camarotti no G1, amigos do ex-deputado acreditam que ele delataria apenas se a família dele fosse ameaçada de prisão, caso da esposa Claudia Cruz, que também é ré nas investigações. Porém, a possibilidade de delação esbarra em um pesado jogador: a própria Lava Jato. Ainda segundo Camarotti, os procuradores da Lava Jato “resistem a fazer um acordo de delação com Cunha se ele não tiver a oferecer fatos que agreguem informações novas à investigação”.
No começo deste mês, a Polícia Federal já havia defendido nos bastidores que seria contra novas delações na Lava Jato (vale lembrar que quem coordena a PF é o Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes), afirmando que as delações aumentariam “a sensação e impunidade” perante a opinião pública. Por trás dos panos ocorre também uma disputa entre PF e Procuradoria Geral da República, que teria deixado a polícia de fora das negociações da delação da empreiteira Odebrecht, entre outros imbróglios.
Talvez essa certeza da não-delação de Cunha é que teria deixado o Planalto tranquilo a ponto de declarar oficialmente, pela Secretaria de Imprensa dizer que a preocupação com a possível delação seria “zero”. Ainda assim, Cunha revela ter medo de Moro ser muito “draconiano” consigo e parece ter andado incomodado com a “blindagem” do presidente do Senado Renan Calheiros, que deve deixar o posto no início de 2017. Porém, enquanto isso, está em andamento um perigo muito maior para toda a classe política nacional: a delação da Odebrecht, aquela que pode ruir a República.