Música

O Produtor Chileno Imaabs Explica por que Política não se Separa da Vida Noturna

Foto por Estudio Crima para i-D Magazine.

Do alto de suas varandas gourmet, certos brasileiros indignados com a situação política do país têm recorrido ao som feito pela batida de suas panelas, que reverbera e encontra eco pelos bairros nobres de algumas cidades. Panelas de 30, 70, ou 150 reais, é duvidoso o resultado que há de se chegar com tal ato. Enquanto isso, o produtor chileno Imaabs também está fazendo som político, mas suas ferramentas compreendem barulhos, sons, samples e CDs de reggaton e tribal para os quais as pessoas se recusam a dar mais do que dois reais. Ao levar tal protesto para a pista, ele faz com que as pessoas questionem e criem novas leis usando apenas seu corpo, sua identidade sexual e étnica. A biopolítica também está indo para as raves.

Videos by VICE

Ouça ‘Distancia’, o novo EP do Imaabs

Em seu último e mais desafiador EP Distancia, lançado pelo selo mexicano NAAFI, o produtor Cristo Gavras faz um tratado sobre globalização pós-colonização ao longo de cinco faixas, recorrendo à teoria que aprendeu lendo Deleuze e Piere Clastres, e à história da conquista da América do Sul em diálogos do imperador inca Atahualpa com o conquistador espanhol. Distancia está disponível para compra desde o dia 27 de abril, mas só agora eles liberaram toda a playlist no Youtube acompanhada pela incrível arte de Alberto Bustamante (Mexican Jihad, um dos cabeças da NAAFI) e de Ramiro Chavez. Você pode ouvir tudo enquanto lê o nosso papo com o Cristo sobre a sua afiliação com a NAAFI, o que inspirou a fazer esse EP e como anda a situação noturna em Santiago, no Chile.

THUMP: Oi Imaabs, primeiro fala um pouquinho sobre você, e como você começou a se envolver com música.
Cristo: Meu nome é Cristóbal Vargas, e moro em Puente Alto, em Santiago. Eu tenho 30 anos de idade e comecei a fazer música eletrônica porque quando era mais jovem participei de muitas bandas, e algumas precisavam de sequências mais eletrônicas – alguém ali tinha que fazer isso!

E o que significa a palavra Imaabs?
Imaabs é uma palavra “portmanteau” de “imagem” e “abstração”. Enquanto estava na universidade, eu e um amigo ficamos impressionados com um trecho do A Lógica do Sentido, do Deleuze, que explicava que uma palavra portmanteau é uma combinação entre duas partes de duas ou mais palavras, ou seus sons, gerando uma palavra outra completamente nova. É genial!

E nessa época você já ia a clubes no Chile? Como era a cena? Mudou bastante desde então?
Aqui é tudo muito cíclico. Às vezes é tudo muito monótono devido à lei de tolerância zero [uma espécie de Lei Seca brasileira], então a polícia está sempre patrulhando e fechando lugares clandestinos, o que torna impossível criar ou fomentar uma cena de qualquer coisa. Os clubes apenas abrigam eventos que deem dinheiro, não ligam para a arte.

Eu lembro de quando ouvi sua música pela primeira vez, e você estava envolvido com o pessoal do selo Diamante. Mas acho que eles deram uma sumida nesses últimos tempos. O que aconteceu, ainda existem? Você ainda produz algo com eles?
A Diamante ainda existe, sim. Eles estão lentamente experimentando com outras coisas, mas isso de desaparecer um pouco acontece quando riscos estão sendo tomados no Chile; mas foram tantos riscos que começaram lentamente a apenas copiar outras coisas de uma forma muito estranha, nada esteticamente desafiador. Isso porque existe um certo autoritarismo do house e do techno na noite chilena. O selo ainda existe como um coletivo que atenta a criar cultura e manter um selo profissional. Eu ainda trabalho com eles em certas questões técnicas, como masterização e recomendação de artistas. Todos eles são meus amigos e tenho um grande carinho por todos.

Depois de trabalhar um tempo com eles, você soltou um EP incrível pela Trax Couture. Como foi fazer esse projeto?
Foi muito bom, mas houveram alguns problemas porque o Matt (Rushmore) mantém uma postura profissional muito rígida, e eu fiz o erro de compartilhar o link para download; isso gerou alguns desentendimentos entre nós, mas no final ficou tudo bem. Acredito que na América Latina, poucos têm essa postura de saber como tudo realmente funciona ao comandar um selo musical. Apelamos apenas para a promoção, e nunca esperamos algum retorno financeiro. Mas temos que nos acostumar com a ideia de que algumas vezes vale a pena comprar uma música. Eu mesmo costumo comprar muita música na Internet, gosto de pagar e reconhecer o trabalho que foi feito ali.

E como você explica esse apelo que sua música parece ter mais na Europa do que por aqui na América do Sul/Central?
Lá, realmente existe uma cultura de clube, de DJs, agências e promoters todos interligados… é tudo mais intenso do que aqui na América Latina, além de as pessoas terem vontade de descobrir música nova. Por aqui, acho, que todos preferem ouvir coisas mais tradicionais.

Que outros produtores ou projetos você tem curtido?
Há muita coisa interessante, talvez não inteiramente como um selo ou alguma produção musical muito diferente; mas por exemplo a Salviatek do meu amigo Lechuga Zafiro e do Pobvio é bem legal, assim como o pessoal da festa Hiedrah de Buenos Aires. No Brasil, acompanho o que a Wobble e alguns amigos seus como o Pavigo e o Apolinário fazem, dentro e fora da música… são amigos fazendo coisas belíssimas. Musicalmente, no entanto, não há muitos expoentes, mas pode-se ver um potencial de uma cena emergente que torna tudo muito interessante de acompanhar, porque as pessoas querem fazer não apenas música na noite.

E como você entrou em contato com o pessoal da NAAFI? De todos os seus lançamentos até agora, esse parece o mais desafiador e agressivo. Você sentiu algum tipo de liberdade maior ao fazer esse trabalho com eles?
Somos todos uma família! Quando estive no México pela primeira vez, foi como se nos conhecêssemos por toda uma vida. Criamos um laço muito forte rapidamente. Digo, a NAAFI é mais que um selo, eles são um “piño”, como dizemos aqui. É como uma organização, ou uma banda. A banda, algo anterior ao Estado, de acordo com Pierre Clastres, é como uma multitude sem poderes centralizados. Mas essa informação trocada nos permite pensar juntos, criar e gerar políticas, a outra política, a política do clube e de zonas de liberação… por essa razão meu EP é uma aposta política. Sua densidade é reflexiva e fala sobre imigração, a violência do capitalismo, a confusão criada entre a intercessão do não-saber e da incerteza, o de não poder fazer o que quiser com o seu corpo… é um EP biopolítico, em sua melhor definição.

Me fala sobre a gravação do disco.
Terminei o EP há seis meses, a última track foi “Voy”, que fiz em Monterrey enquanto criava com o Zutzut, logo antes do ano novo. A direção de arte foi feita pelo Alberto Bustamante (Mexican Jihad), e foi similar ao release do Omaar. Eles usaram um laser 3D da Top Show, e a fotografia foi feita pelo Ramiro Chaves.

Todas as faixas foram criadas para expressar uma mesma dimensão: “Voy” é como uma jornada, então é menos pesada. “Densidad Cero” foi a primeira que fiz e possui alguns diálogos do Atahualpa com o conquistador espanhol. Outro detalhe curioso é o fato de “Tercera Persona” ser o título de um livro de Roberto Esposito sobre biopolítica.

A NAAFI e outros projetos e festas em que a Fade to Mind e a Night Slugs propõem grandes discursos sobre arte, moda e política por meio da música eletrônica, de uma forma até um pouco como o “punk” foi. Eu creio que isso seja algo difícil de se fazer aqui no Brasil, imagino que seja o mesmo no Chile, não? Como essa entrevista que você deu a um tempo atrás para a Remezcla, parece que você é incapaz de separar política e nightlife.
Eu acho que não deveríamos insistir nesse discurso de que não tem espaço, as pessoas são espertas; até agora eu não tinha comentado nada sobre a inspiração biopolítica para o meu EP, e ainda assim as pessoas entenderam. Talvez eu não tenha criado algo musicalmente inovador, porque no fim minha intenção é apenas abstrair um pedaço da visão geral: eu sou sul-americano, sou negro, sou criminoso… Somos pessoas, na verdade, excluídos da noção de “pessoas”. Eu não posso parar de fazer política se tudo isso me afeta, direta ou indiretamente.

Mas concretamente, a música e a pista podem se tornar espaços de liberdade e encontro para compartilhar e desenvolver a sua própria sexualidade. Você pode resistir contra o poder de muitas formas e não existem motivos para tudo ser sério ou austero.

Então como são as festas por aí, onde geralmente elas acontecem? Clubes, bares, ao ar livre? Quão difícil é fazer e manter uma festa em Santiago? Atualmente você está envolvido na produção de algum evento?
Nada, aqui tudo se tornou muito comercial. Seria idiotice dizer que nada é feito aqui, mas sempre tem gente tentando, mas nada muito desafiador. Não diria que existe uma cultura “boemia” ou vida noturna aqui, nesse sentido creio que o Brasil e a Argentina estão muito a frente de nós. Por aqui, a ditadura Pinochet parece ter instalado um molde ou desenvolvimento que continua se replicando sem deixar espaço para mais nada.

Assim como outros produtores da NAAFI fazem, outro ponto importante do seu som, principalmente em “Voy”, é usar os chamados sons periféricos como dembow, reggaton e tribal. Enquanto eu conversava com Lao, deu pra perceber que tais gêneros sofrem o mesmo preconceito que o funk sofre aqui no Brasil. Quais são os sentimentos chilenos quanto a esses ritmos?A mesma merda, mas no Chile existe a instituição do “carreirismo” sobre como fazer [música] e ser um sucesso, e isso está bem enraizado nesses tipos de música. No entanto, ter uma carreira longa e duradoura não significa ter sucesso financeiro.

Imaabs está no Facebook // Soundcloud // Twitter