Música

O Lechuga Zafiro Veio Mostrar pro Brasil o que É um Candombe Sci-fi


Foto por Francisco Costa/Divulgação.

Quantas horas por dia você acha que gasta passeando pelo Soundcloud? Umas três, sete horas, mais ou menos? Na verdade nem um minuto desse tempo todo importa se você ainda não segue certos usuários que são tidos como entidades na rede social, mais do que apenas aficionados por música. Presente na forma de comentários em quase todos os gêneros e canais disponíveis no serviço, o Ojo Torrado é definitivamente um dos perfis mais influentes e ativos da moribunda rede social, repostando e divulgando faixas que vão desde o industrial mais experimental ao funk mais cabeludo e eventualmente colaborando para o blog Generation Bass. E foi através dele que eu conheci o trabalho do Pablo de Vargas, do Uruguai, mais conhecido pela sua persona produtora de tambores sci-fi Lechuga Zafiro.

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A sua bio no Soundcloud o define como “ficção-científica dançante de identidade latina”. Eu poderia tentar escrever mais dez linhas definindo o seu som e nada chegaria perto da síntese contida nessa frase. Misturando ritmos africanos e latinos como candomblé, dembow, reggaton e funk à efeitos sonoros de ficções científicas e samples originais de gravação própria, ele é mais um importante protagonista da transmutação pela qual a música eletrônica tem passado na América do Sul após os trabalhos dos selos Diamante (Chile) e NAAFI (México), fortemente influenciado pelo hibridismo dos americanos da Fade to Mind. A influência e o respeito é mútuo, já que o Nguzunguzu e o Neana, do afiliado selo Night Slugs, têm tocado algumas de suas faixas durante seus sets.

Após ouvir mais de sua música em algumas mixes do pessoal da NAAFI como o Zutzut, com quem ele afirma ter uma grande afinidade musical e tem trabalhado em músicas juntos, eu precisava saber mais sobre o que o inspirava. Robôs, aliens e seres mutantes não são apenas o imaginário no qual o Pablo vive e usa como matéria artística, mas símbolos que traduzem as preocupações que o cara vê entre as interações tecnológicas e orgânicas do mundo que vivemos hoje.

No momento, ele está trabalhando em um novo EP previsto para sair no começo do ano que vem. Ele chegou nesta semana no Brasil e tocou na última segunda (15) na Cave, no Rio de Janeiro, na festa I Hate Mondays, numa parceria entre a agência Flagcx e a crew do I Hate Flash (mais uma vez obrigado ao Super Praia por ter nos cedido as fotos que ele fez do Pablo enquanto passeava no Uruguai recentemente), ao lado de WAET, Mexicano, Transchlaepfer, Gustavo Elsas e Dorly. Ele também se apresenta nesta quarta no Furduncinho da Praia do Omulu, de graça e ao ar livre no Arpoador. Na sexta ele pousa em São Paulo para uma gig no S/A, em Pinheiros. A mini-tour acaba na madrugada de sábado no Bar de Cima e no Misture (maiores informações em breve).

Aproveitamos a oportunidade e um tempo livre que pintou para bater um papo no Skype com o cara sobre essa música que tem emergido em diferentes pontos do mundo, mas que tem tanta coisa em comum.

THUMP: Você já veio ao Brasil antes?
Pablo de Vargas:
Sim, já fui para Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis, mas nunca fui pro Rio. Gostaria muito. Eu gostaria muito de ver como é a cena no Rio. Eu conheço algumas coisas de lá, mas não muito de São Paulo. Fico muito intrigado porque parecem ser cidades muito diferentes.

Acho que não vai demorar muito pra isso acontecer hahaha Outro dia estávamos falando do Lao, do México. Você já foi lá, né? Você tocou também?
Sim, isso foi no começo do ano, em Abril. Toquei 12 vezes nos 45 dias que passei lá. Eu conheci a galera da NAAFI, achei muito boa a relação deles com o DF. De longe, eles foram as pessoas mais interessantes que eu conheci lá. Eu ainda tenho relação com Lao e Zutzut, sobretudo. Eu acho que eu tenho melhor relação com eles porque eles são produtores, eu senti uma sensibilidade muito parecida. Me conectei também com o Alberto, o Mexican Jihad. Eu acho que agora eles são os caras que fazem as coisas mais interessantes no nosso continente, junto com o Imaabs, do Chile. Eu acho que o que fazem na Wobble também é interessante em termos de mobilização e festa, mas em termos de produção eu não ouvi coisa deles pra dizer que a música também é interessante. Tem também os caras de Lima, o Dengue Dengue Dengue. Eles fazem bastante sucesso no Peru, mesmo que a música deles não seja exatamente o que eu amo, mas eles fazem coisas muito boas em termos de festas e discos.

Sim, eu acho legal como eles trabalham a cenografia e a identidade, também.
Essa é a rede que me interessa no nosso continente. São as coisas que eu defenderia como DJ e amaria difundir. Sempre tive essa espécie de interesse e missão de conhecer o que acontece na América do Sul, pegar isso e misturar com coisas mais locais ou desconhecidas, e a partir disso fazer um som novo. Quando eu olho pra trás, uns quatro ou cinco anos, vejo que continuo fazendo a mesma coisa e isso é um padrão que se repete, sabe? Mas agora eu vejo que as coisas começam a consolidar-se em nosso continente em termos de atenção na imprensa local ou internacional.

Sim, e o mundo inteiro parece finalmente estar de olho nessa mistura com gêneros mais latinos como a NAAFI e o Krysaor (Endgame, Lexxi, Kamixlo, Blaze Kidd), lá de Londres, estão fazendo. Você conhece eles?
Sim, eles fazem coisas cool também. É um som fresco de Londres. Inclusive eu comecei uma mixtape pra você e eu tentei incluir uma produção de um cara que é amigo de Felix Lee e Kamixlo que se chama Larry B. Eles têm um estilo muito marcado que eu gosto, uma coisa triste como sentimento de saudade ou nostalgia, mas animado como reggaeton e dembow. Acho isso muito novo. Acho que Londres é uma cidade onde existem muitos, muitos produtores em relação a quantidade de pessoas que moram lá, então penso que a qualidade da música está num nível distinto. Me sinto muito identificado com algumas coisas que o Neana e o Georgia Girls estão fazendo lá porque acho que eles têm uma visão global da música. Eles pegam coisas da África, e ao mesmo tempo coisas que são completamente techno de Berlim ou Londres, e essa também é uma influencia para mim.

Eles também pegam o Jersey club, ballroom…
Exatamente. Isso é uma influência muito forte para mim, e eu gosto particularmente do que o Neana faz porque ele pega claves de coisas que poderiam ser uruguaias, brasileiras ou africanas, ou mesmo o Jersey, que tem também essa estrutura e clave marcante, só que mais desconstruída. Eu investigo essas coisas também para levar novidade a cena do clube, seja ele aqui no Uruguai ou em outro lugar.

Aqui, eu participo de dois coletivos que são o Club Suptropical e a Salviatek. A última é uma festa nova que eu faço com um amigo, o Pobvio. Pra nóse é como uma espécie de santuário. Somos obcecados por essa mistura da natureza com a tecnologia, achamos que isso seja o futuro.

Me fala mais dessa sua estética de misturar tecnologia com coisas orgânicas.
Pessoalmente eu sempre tive obsessão, desde que eu comecei a ler Ballard, Gibson e tudo isso ficou em mim para sempre. Também alguns filmes de sci-fi, como Alien, ou coisas mais desconhecidas como Demon Seed e outros filmes dos anos 80 ou 90 que imaginavam o futuro, objetos ou situações que relacionam a vida política e a tecnologia. Acho que esse é o meu principal interesse no cinema. Depois comecei a roubar os sons desses filmes pra pôr na minha música. Ultimamente, essas tem sido minhas ferramentas: os filmes que vejo praticamente todos os dias, os sons do candomblé e tambores que fui gravando e guardando por dois anos; acho que esse é o meu som original, é a coisa que eu tenho pra mostrar. Essa mistura de ritmos, ou como diz a NAAFI, ritmos periféricos. Sons renegados com outros sons de filmes ou um pouco futuristas e sound design que eu mesmo fiz. Eu lembro de falar com meus amigos de imaginar um bosque tecnológico, ou das máquinas tomando consciência de uma natureza, começando a imitá-la e funcionar perfeitamente igual. Esses são os elementos artísticos que criam o contexto da Salviatek. Acho que o ultimo EP do Drippin segue bem esse caminho.

E é fácil tocar esse tipo de música por aí? Na entrevista que o Imaabs deu pra Remezcla, ele falou como a instituição do house e do techno ainda domina a noite chilena. Aqui no Brasil também acontece isso, então imagino aí.
Sim. Eu acho que no Brasil o pessoal é mais aberto, porque São Paulo e Rio são cidades cosmopolitas, pelo menos eu imagino. Montevidéu é uma cidade menor, é mais difícil de fazer coisas novas e ter o seu próprio lugar.

Vocês conseguem fazer em um clube?
Não. Estamos fazendo o Salviatek num bar que fica num subsolo e cabem no máximo 80 pessoas. É muito pequeno. Mas o Club Subtropical ganhou seu próprio lugar aqui e nós fazemos festa para 300 pessoas. Mas ainda não acho que seja algo tão arriscado. Por exemplo, o Club Subtropical se estabeleceu aqui com cumbia, reggaeton, ritmos africanos e etc. Eu acho legal que isso exista em Montevidéu, mas quando eu vi que a festa estava boa, achei que era hora de fazer algo diferente, começar a lutar por um som novo. Eu acho que Santiago, Rio e São Paulo têm uma infraestrutura mais amigável a coisas novas do que Montevidéu, pelo menos em termos técnicos como soundsystem, estrutura de lugares e tal. Mas para o ano que vem, temos falado com um cara que faz festas muito grandes aqui em fábricas e galpões abandonados. Falamos em fazer uma festa de big budget pra poder trazer a galera da Príncipe Discos, espero que isso seja possível.

São Paulo tem tido uma cena estranha, mas muita coisa tem funcionado sim. Você tem muitas opções de lugares e festas, e isso às vezes pode acontecer tudo no mesmo dia. Então a mesma festa pode ter muita ou pouca gente entre uma edição e outra. E eu acho que as pessoas ainda estão mais fechadas a ouvir coisas diferentes em uma noite só, geralmente elas vão esperando ouvir o que querem. Por exemplo na Metanol.fm, por mais diferentes que sejam as festas entre si – locais e públicos –, é quase impossível ouvir cumbia, funk, brega ou algum ritmo mais regional, enquanto na Wobble esses ritmos têm tocado bastante. Assim como você e o pessoal do México abraçam os ritmos locais e misturam esses sons com o que está acontecendo com a música lá fora, acho que se acontecer aqui vai ser ao redor da Wobble.
Sim, isso eu também respeito. Você está fazendo a mesma coisa para a sua cidade, e você começa uma espécie de relação especial, observando e construindo essa afinidade musical.

Sim, e acredito que a cena que vivemos hoje nem é apenas amarrada por afinidade musical, mas por todo um mesmo circulo de referências e estímulos. Nós vemos os mesmos filmes, imagens, lemos os mesmos blogs e acompanhamos cenas específicas…
Isso é o que estou buscando. Acho que se uma festa como a Wobble faz isso, vai ser algo que vai me conectar diretamente. É importante reconhecer outros fundos musicais, porque acho que as verdadeiras correntes musicais nascem no meio popular. O techno de Detroit e Chicago house foram assim, o baile funk foi assim, cumbia nasceu assim também. É importante sempre estar com um olho na cultura popular.

Sim, e agora mais que nunca olhar também para nossos vizinhos. Já que você falou da NAAFI, você vai para a festa de fim de ano deles? Até imaginei que você iria tocar quando o Tomás primeiro me falou sobre a festa.
Estava com muita vontade de ir ao México, mas eu já tinha comprado uma passagem pra Alemanha pra tentar tocar lá, vou ficar durante 15 dias. Tenho mandado minha música pra algumas pessoas por lá. Eu tentei trocar a passagem pra ir para a NAAFI, mas não vai dar. Parece que vai ser uma festa realmente incrível e histórica. Você vai sozinho?

Vou sim, já resolvi toda a documentação e estou só esperando o dia de viajar. E vai ser minha primeira viagem para fora, então estou mais animado ainda. Pra onde mais você já viajou ou tocou?
Aposto que vai ser incrível! Bem, aqui já fui em Buenos Aires, inevitavelmente. Tenho família lá, e vou mais ou menos quatro ou cinco vezes por ano. Fui ao Caribe duas vezes, mas sem tocar. Porto Rico também. Passei um ano na França, estudando, trabalhando e toquei um pouco. Cheguei a tocar um pouco em Barcelona também, na época que ainda estava começando como DJ. Toquei nuns bares pequenos. Eu entrei na cena eletrônica nessa viagem, mais ou menos há cinco anos. Conheci a Berghain e o Sónar, vi um pouco do que acontecia nos clubes em Londres. Foi aí que decidi que queria ser DJ, produzir minhas próprias faixas e por aí vai.

Você começou produzindo ou discotecando?
Produzindo. Eu já sabia tocar alguns instrumentos como guitarra, teclado e etc. Depois comecei a estudar sound design e depois fui misturando com outras músicas e aprendendo a tocar.

E foi alguma festa que te fez ter essa vontade?
Sim, foi o Sónar, em Barcelona. Aí eu conheci coisas que estavam emergindo nesse momento como Flying Lotus ou Joy Orbison. Vi também o live set do Plasticman, vulgo Richie Hawtin. DJ Hell também. Eu estava muito drogado também, então foi uma experiência reveladora e grande pra mim. Depois fui ao Berghain em Berlim e ouvi o Matthew Herbert, também foi muito importante para entender a cultura eletrônica do lado de lá. Mas eu sabia também que de outro lado eu queria fazer coisas com cumbia, baile funk, kuduro e tal, eu queria todos esses elementos na minha música.

Você consegue ouvir funk carioca aí em Montevidéu?
As pessoas sabem o que é de onde vem, mas não toca muito, não. Aqui a gente consegue desfrutar desses sons, mas não existe uma festa inteira para o baile funk. Eu tenho usado vocais de baile funk em produções bem techno e as pessoas têm respondido bem. Eu sempre adorei. Os uruguaios tem uma obsessão com o Brasil, sabe? Não é como a rivalidade da Argentina. O Uruguai está no meio entre os dois países, então isso deixa tudo equilibrado.

É engraçado como a geografia parece refletir isso, né? O atrito entre dois países criando uma percepção diferente em um terceiro.
Sim, totalmente. O Brasil sempre esteve presente na cultura do Uruguai. Na linguagem, na música… Vocês tem uma porcentagem muito maior de população indígena, mas a influência do tupi-guarani ainda é muito grande. Sobretudo no norte, na fronteira, existe uma relação mais importante entre o Uruguai e o Brasil. Eu estou sempre buscando as redes sociais e os sites mais legais para baixar e procurar funk. Mas me diz, o funk não está morto aí, está? Quero dizer, ainda é uma cena ativa e tem se desenvolvido? O que eu acho é que o baile funk mudou de som, os MCs são cada vez mais jovens…

Então, ele muda de estado e até muda o som, mas continua vindo da periferia. Veio do Rio, depois São Paulo e o interior, mas agora tem cenas de funk se desenvolvendo no meio de outros ritmos e outros cidades como Vitória, Porto Velho, Salvador, etc. O diálogo está sempre acontecendo.
Entendi. E as pessoas que fazem as festas aí, como a Metanol e a Wobble, eles conseguem viver só da música das festas?

Dificilmente. Alguns ainda trabalham como designer, fotógrafo, videomaker ou algo assim. Tem outras festas maiores que facilitam mais viver disso, mas com o tipo de música que a gente ouve é tudo muito inconstante.
Isso é uma coisa importante, porque tenho observado que aqui na América do Sul, apesar de ser difícil, muita gente tem conseguido viver apenas da música, como a NAAFI, o Dengue Dengue Dengue, etc. Em Montevidéu, se você não faz uma festa de techno-house para 500 pessoas, você não vai conseguir dinheiro. Eu queria poder me concentrar na música, mas aqui em Montevidéu é impossível.

Com o que você trabalha?
Eu trabalho com som em produções audiovisuais. Estou agora trabalhando em um longa-metragem com a Carolina Dickmann, você conhece? Ela está aqui em Montevidéu. É um filme de um cara de São Paulo chamado Marco Dutra, que faz cinema queer e coisas assim, e foi contratado por uma produtora grande de São Paulo para fazer um filme maior do que ele estava acostumado a fazer. Mas eu gostaria de não trabalhar, só me concentrar nas festas. Eu acho que esse é o verdadeiro caminho musical, porque você está metido 24h na música. Espero que isso aconteça logo, se não vou mudar de cidade. Por isso que pergunto a todo mundo que vive perto de mim, se essa realidade é possível, porque acho que São Paulo e Rio seriam duas cidades que eu pensaria em ir na América do Sul. Buenos Aires seria ideal, mas a música lá não tem funcionado muito. Não tem pessoas como nós por lá. Tem outra festa que acontece agora chamada Hiedrah, eles fazem coisas legais em termos de festa, mas não são produtores. Acho que Buenos Aires teve a explosão da cumbia eletrônica em 2008 ou 2009 com o ZZK, mas a cena morreu ou não se desenvolveu. Acho que eles precisam de alguma coisa nova.

Sim, e o que é engraçado é que parece que a América Latina está acordando aos poucos pra esse som novo. México, Chile, Uruguai, Brasil…
Sim, e eu acho que São Paulo e Rio cresceram muito em termos de musica e as conexões com as cenas de fora, não?

Sim, muito. Há quanto tempo rola o Club Suptropical?
Quatro anos agora, mas eu entrei depois. Eu achei a festa numa época de solidão completa aqui em Montevidéu em termos de produção musical. Não tanto solidão porque eu estava na cena experimental aqui, mas eu sabia que precisava de uma coisa mais clube, dedicada a dançar, e naquele momento eu vi que o Club Subtropical era o mundo ideal pra fazer isso, porque eles não tinham preconceito. Eles misturavam música de todo o mundo. Mas no final eu achei que eles tinham preconceito contra techno e house. Então o que eu quero fazer agora em Montevidéu não tem preconceitos em termos musicais, mas apenas uma ideia clara do que queremos ouvir.

E as pessoas que vão nas festas refletem essa mistura de gêneros? Aqui a música tem sido acompanhada por um público bem misto, independente de sexo, cor, classe e etc. Acho que a Wobble até consegue juntar diferentes cenas como pessoas do cinema, circo, teatro, rock, o que talvez só não seja tão possível em São Paulo por causa do tamanho da cidade.
Sim, aqui tem sido assim também. No Club Sobtropical e na Salviatek vai gente de todos os tipos. E Montevidéu é uma cidade pequena, então você vai ver de tudo pra todos os lados, como gays e metaleiros na mesma festa. As cenas não são tão grandes pra existirem sozinhas, eles precisam das pessoas dos lados para sobreviver. Então acho que o Club Subtropical é uma cena aberta, em termos musicais e em termos de público.

O que você tem usado para produzir suas músicas?
Ableton Live e MPC. Mas sempre aprendi só com softwares. A MPC eu comprei depois de ver os produtores de funk no YouTube, isso foi muito importante na hora que decidi comprar uma. Eu tenho também um synth Yamaha que utilizo sempre, e também uma 707. Mas a manipulação de samples é o que mais gosto de fazer.

Imagino que aí também seja caro pra comprar equipamento.
Sim, sim. É duplamente difícil para nós no terceiro mundo. São mais caros e difíceis de achar. Por isso que eu acho que temos que ter mais imaginação, fazer tudo com coisas mais baratas hahaha.

E de onde saiu o nome Lechuga Zafiro? Você chegou a se chamar Carne Zafiro uma época, né?
Sim, Carne foi o início da minha identificação com a música. Veio da tentativa de misturar coisas antagônicas como carne, a coisa visceral do corpo, o agressivo e o animal, com Zafiro, que é a parte sagrada e preciosa. Esse foi o início de quando eu era pequeno e já tinha essas ideias. Depois eu vi que ninguém em Montevidéu escutava a minha música por causa desse nome um pouco maluco, então tentei fazer uma coisa mais normal hahaha.

Mas Lechuga Zafiro ainda é um nome estranho hahaha.
hahah É um pouco maluco sim, mas serviu porque muitas pessoas já me chamavam de Lechuga, então aconteceu naturalmente. A tradução de Lechuga é alface. Eu acho que Carne Zafiro ainda é um nome mais forte, mas agora já desisti de trocar.

E o que te fez querer criar esse nome, essa persona? Eu acho que no Brasil as pessoas trabalham pouco ou tem vergonha de criarem personagens ou performances. Eles só usam o próprio nome e é isso…
hahah Sim, isso é uma grande parte da criação, eu acho. Minhas origens musicais tem raízes num grupo do Uruguai chamado Fiesta Animal. Eles não existem mais, mas foram muito importantes para minha formação. Eles faziam música experimental e todos eram artistas que criavam música, mas não eram originalmente músicos. Eram fotógrafos, cineastas, e então a identidade visual do grupo era tão importante quanto a musical, e foi nisso que pensei quando criei o Carne Zafiro. Todos que faziam parte do grupo eram fãs de cinema, fotografia, e a internet estava começando a facilitar a comunicação entre nós e trocávamos muitas coisas. Eu baixava muitos filmes de terror, sci-fi, então acho que sim, o universo visual sempre esteve ligado a minha música e sempre foi importante acompanhar criações literárias e visuais ao meu universo. Acho que isso faz parte do meu mundo, e é o que quero na minha música sempre.

E você já pensou em fazer trilha-sonora para algum vídeo?
Eu cheguei a fazer a trilha para um curta em 2011, mas adoraria fazer mais. Eu ainda não encontrei aqui gente que faz filmes ou vídeos como eu gostaria. Ninguém quer fazer sci-fi, coisas novas ou arriscadas. Eu estou buscando gente que esteja interessada no meu mundo para podermos colaborar juntos, mas ainda não encontrei.

Quais filmes que você gosta?
Recentemente fui ver o “Interstellar”.

E o que você achou?
Hmmm…

Já disse tudo lol.
Eu acho que o filme tem coisas que eu acho interessantes, como as teorias dos blackholes, realidades múltiplas, etc. Não existem muitos filmes que falam sobre isso, mas muita coisa me incomodou no filme através do filtro norte-americano. Também não gostei tanto das atuações… Acho que o filme tem coisas ambíguas, coisas boas e coisas ruins.

Eu senti que ele tentou ser mais drama do que ficção. Quando ele podia ter mais matemática, ele queria ter mais alma, e tudo ficava perdido entre os dois.
Exatamente. E eu tinha acabado de fumar um antes de entrar na sala, então posso dizer que o filme foi muito forte pra mim nesse momento. As coisas eram super dramáticas, as discussões do universo e as coisas físicas… Eu notava que o filme seguia matemático e físico, mas no momento que isso começava a ser interessante, voltava ao drama. Era um equilíbrio que me cansava e eu esperava mais do mundo físico do filme. Mas eu ainda prefiro isso a filmes de amor ou drama hahaha. Eu também assisti “Gravidade” esse ano, gostei muito. Acho que essa é a corrente de filmes que eu quero ver, ou estar sempre vendo. Que mais vi esse ano de bom? Eu sempre falo de um filme que a galera não conhece muito que se chama “Demon Seed”, de 1977. Ele fala de uma espécie de computador inteligente que decide engravidar uma mulher para se reproduzir e inventar um ser perfeito, uma mistura de computador e humano. Isso foi realmente forte para mim. Eu adoro também os filmes de James Cameron, como o “Avatar” mesmo. Eu achei muito forte, visualmente estimulante.

Engraçado você falar do James Cameron, porque eu estava vendo essa semana um filme da Kathryn Bigelow que se chama “Strange Days”, e também tem uma história muito interessante, com essa droga que na verdade são as memórias das pessoas, e você consegue reviver e sentir tudo o que a pessoa sentiu, desde felicidade até a sensação de morrer.
Aaahhhh sim, eu lembro de ter visto quando pequeno, eu gostava muito desse filme também. A galera que grava sua vida e depois vende, certo? Isso é o tipo de filme que eu adoro. Lembro de ter visto “Blade” e ter gostado muito. Meus gostos no cinema mudaram muito a partir da música. Ultimamente tenho visto filmes apenas para gravar os sons. Então vejo coisas que as pessoas não gostam como “Star Trek”, “Transformers”… Eu adoro isso, minha busca pessoal tem que ter a ver com a floresta, a seiva, e a tecnologia, etc. Então “Avatar”, “Alien”, a mistura de organismos vivos com tecnologia me interessam muito. Acho que o clipe “Mecha”, do Nguzunguzu, foi completamente revelador. Eu já tinha tentado fazer um vídeo como aquele, cortando pedaços de filmes e fazer um novo a partir daquilo. Eu tinha gigas e gigas de filmes cortados, mas nunca cheguei a terminar. Então quando vi esse clipe, foi algo incrível.

E por falar em Nguzunguzu, achei uma surpresa incrível quando eles tocaram uma música sua no show da Fade to Mind na Rinse.fm. Você já tinha contato com eles ou foi surpresa também?
Sim, puta merda, isso foi incrível. Eu mando música normalmente pro Daniel Pineda. Quando eu terminei aquela faixa, eu achei que tinha muito potencial, então mandei para eles, para o Total Freedom, para o Neana e tal. Eu fiquei feliz porque acho que se eles tocaram, então eles gostaram de verdade, ou significou algo para eles. Acho que isso foi a força que eu precisava pra continuar e finalmente terminar meu EP. Eu queria tê-lo terminado antes do fim do ano, mas creio que vai estar tudo pronto pro começo de 2015.

Me fala mais do EP que você está fazendo.
O EP tem produções que começaram há mais ou menos dois anos. Acho que vai ser algo meio pesado em termos de sonoridade, porque tem anos de investigações minhas. Ano passado eu gravei tambores de candomblé de diferentes grupos e contextos como na rua, na casa de alguém, em estúdio e etc. Tudo isso originou diferentes texturas e comecei a misturar isso com os samples de filmes e outros sons que eu mesmo criava. Então é uma investigação que durou um ano e meio. São quatro faixas, e cada uma tem um som de candomblé distinto. Então vai ser uma coisa bem rica. No outro lado, eu estou trabalhando em outro EP que não tem tantos tambores, mas tem sons de filmes misturados com dembow e afro-house. Eu estou tentando juntar minhas produções mais diversas e de diferentes velocidades e uni-los em distintos EPs, para fazer uma coisa representativa do que eu realmente gosto. Mas eu vou te contar, eu tenho um problema que é de nunca conseguir acabar as coisas. Esse é o quarto projeto que estou tentando terminar. Eu vou tentar acabar esse EP de uma vez por todas. Não sei bem porque, mas tenho muita música, cerca de vinte faixas que abandonei no meio do caminho. Em 2012 eu fiz uma investigação com musica da Síria e Iraque e outras coisas que eu achava legal, mas que eu achava que ainda não estava na cena club. Só depois eu vi que a Fatima Al Qadiri e essa turma já faziam isso, mas eu ainda não os conhecia. Então meu objetivo agora é respeitar o que faço e tentar terminar as tracks.

Mas você acha que isso de desistir é só na música, ou na vida em geral? Porque eu tenho isso também. Já desisti de pencas de faculdades, e todo mês eu decido terminar e começar algum projeto novo.
Sim, sim. Eu acho que as coisas tem que ser terminadas, ainda mais nos projetos criativos. Você pode estar cansado do que está fazendo, mas tem gente que nunca ouviu isso, sabe? Então no momento que você começa a inventar as coisas, você tem o dever de terminá-las pra que as outras pessoas escutem. É um trabalho que deixa de ser pra você, e acaba sendo para os outros. Eu ainda não consegui aliar os impulsos criativos com a conduta e a disciplina pra fazer um produto terminado, ainda estou tentando fazer isso. Isso se mostrou ser mais difícil do que eu imaginava, mas eu vou tentar. Espero que 2015 seja o ano pra isso acabar.

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