“Diz-me que séries andas a ver, dir-te-ei se és a companhia que eu procuro”. Este repto que podia vir estampado num qualquer anúncio amoroso, reflecte um pouco da ânsia em encontrar outro que esteja conectado à mesma onda televisiva, ou melhor, ligado a um ecrã a ver a mesma coisa que nós. Daí serem recorrentes os comuns apelos “já viste?”, “tens de ver” ou o irritante “nem sabes o que perdes”.
Com o aparecimento de cada vez mais plataformas de streaming e, naturalmente, o aumento da quantidade de produções, é possível fazermos parte de um grupo de quinze amigos onde cada um está a ver uma cena (ou mais) diferente. Mormente dessa realidade oposta ao que acontecia há vinte ou trinta anos, ainda existem séries que conseguem agregar muitos (para não dizer milhões), ao mesmo tempo, à sua volta. O maior exemplo é A Guerra dos Tronos.
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Com o fim do ano a correr rapidamente para o seu desfecho, juntamos outras dezoito séries que, não tendo o mesmo peso, conseguiram ter o talento suficiente para nos apaixonarmos por elas em 2019 – caso do portento de originalidade Fleabag, da qual retiramos a frase que serve de título para este texto. (Toma nota: a terceira temporada do The Crown chega este fim-de-semana à Netflix. Decididamente, a não perder).
1. A ORQUESTRA (France 2/AMC e RTP2)
Longe vão os dias em que ser maestrina era visto de forma apreensiva pelos pares, ou por parte dos músicos que teria de orientar. Depois de vinte anos fora de Paris, Hélène Barizet (Marie-Sophie Verdane) regressa para confrontar paixões antigas, maldições do passado e liderar uma orquestra a necessitar de um boost de confiança. Entre as muitas mudanças impostas, o maior desafio aparece de onde menos se espera. Cuidado com as aparências e com os envenenamentos… Philharmonia (título original) é uma bela produção francesa que passou pelos canais em Portugal, a juntar a outras como o intrigante Le Bureau des Légendes.
2. A VÍTIMA (BBC One/RTP2)
Com a profusão das redes sociais, é desaconselhável dar motivos para a turba exteriorizar a sua inquietação. À procura de fazer justiça popular, Anna Dean (papel bem composto por Kelly Macdonald) publica na internet a foto e a morada física do alegado assassino do filho, quando este ainda era criança e o outro adolescente. Essa acção agrava-se pelo facto do alvo ter sido posteriormente agredido. E se esse suposto homicida, que já cumprira o castigo penal, não for a pessoa em causa? Tem a progenitora razão em não perder o foco na vingança? Questões levantadas por uma admirável série escocesa que mostra que nem tudo é preto ou branco. É a vez de ouvir o lado cinzento da racionalidade…
3. CHERNOBYL (HBO)
O terrível acontecimento na central nuclear ucraniana, ocorrido em Abril de 1986, é revisto de forma subliminar por Craig Mazin (criador) e Johan Renck (realizador). O que parecia um simples fogo para uma corporação de bombeiros apagar, transformou-se num desastre com proporções inimagináveis e uma das causas prováveis para o fim da (força da) União Soviética. O retrato da tragédia mostra diversas cenas chocantes, mas é a propaganda do regime, as suas fragilidades e segredos que deixam qualquer um enervado. Ainda assim, este evento é uma lição para o presente e futuro de todos os que alertam para o aquecimento global.
4. ENCURRALADOS (RÚV/RTP2)
Para quem gosta de se entreter com policiais, este ano houve três que não falharam as expectativas: Line of Duty (temporada 5), True Detective (t3) e o islandês Ófærð (Trapped). O último centra-se numa segunda grande investigação liderada por alguém que podia passar por membro de uma banda indie folk (tipo Fleet Foxes). Depois de ter sido promovido a um dos lugares de topo da esquadra principal em Reiquiavique, Andri é chamado à terra natal por causa de um novo evento bizarro – é o Twin Peaks lá da zona…. No meio da perplexidade dos factos que vão sendo expostos, temos a chance de contemplar a beleza natural deste canto nórdico. By the way: não penses que vai ser fácil adivinhar quem é o principal mau da fita…
5. EUPHORIA (HBO)
Os argumentos em torno da adolescência são das maiores apostas junto da audiência dada ao binge-watching. Esta obra norte-americana é talvez a mais ousada, tendo levado muitos pais do outro lado do Atlântico a pedirem o seu cancelamento. Exagerados? Ok, há muita droga e não falta sexo a rasgar, mas a excelente dinâmica visível nos oito episódios está acima desses padrões “triviais”. E para quem não tem uma mente desabrida, é natural que a normalização do personagem transexual, Jules Vaughn, seja o corolário desta euforia teen. Notável.
6. FLEABAG (BBC One/Amazon)
Quando Fleabag foi classificado nas páginas da VICE Portugal como a segunda melhor série em 2017, sabíamos que a sequela seria das mais esperadas assim que fosse anunciada. Com um naipe de actores excelso (a que se acrescenta Andrew Scott – o “padre” do momento), não há como não ficar vidrado nas experiências de uma londrina com uma libido voraz e sugada por alguns dramas pessoais. A figura central é interpretada pela própria autora Phoebe Waller-Bridge, que arrisca a ver Fleabag a ser considerado um dos programas que mais marcaram o humor televisivo britânico desde o início do milénio (juntamente com The Office e Little Britain). A vitória em quatro categorias na 71ª edição dos Emmy Awards foi inteiramente merecida.
7. GAME OF THRONES (HBO e AMC)
A oitava e última temporada foi exageradamente contestada e gozada – com várias cenas em que apareceram cafés e garrafas de água da actualidade. Mesmo estando a milhas de ser tão boa como as suas antecessoras, GOT manteve as nossas emoções (e não as unhas) intactas à espera do destino reservado aos heróis e aos vilões desta era imaginária. Com um final que foi considerado ideal para uns e chocho para outros, a verdade é que pode ser que haja uma sequela daqui a uns tempos (como aconteceu com Breaking Bad através de El Camino). E o que seria melhor? No mesmo formato ou integrada na sétima arte? Desde que aconteça não interessa, certo?
8. KILLING EVE (BBC America/HBO)
O grande duelo do último ano e meio põe frente a frente uma assistente do MI5 (Sandra Oh no papel de Eve Polastri) e uma assassina profissional (Jodie Comer como Villanelle). A batalha “ora mato aqui, ora te descubro ali” tem uma primeira temporada cheia de fulgor, com uma “atracção” em crescendo e é adocicada com muitos momentos risíveis – não fosse a autora de Fleabag quem desenvolveu este “ thriller pop” inspirado num livro de Luke Jennings. Malgrado de esmorecer na segunda parte – e caso ainda não tenhas provado – Killing Eve pode ser o teu próximo vício. Nem que seja pela banda sonora.
9. RUSSIAN DOLL (Netflix)
A morte é um dos maiores mistérios que há na vida (ou não, se fores daqueles que acredita que o fim significa mesmo the end). Para Nadia Vulvokov é uma oportunidade surpreendente de voltar à festa do seu 36º aniversário… vezes sem conta. Confuso? O personagem trazido pela inconfundível Natasha Lyonne – uma das responsáveis desta “boneca mórbida” e de ironia afiada – também está repleta de dúvidas sobre a sua constante reencarnação. As metáforas são mais que muitas e o melhor é não ficares irritado com o que aparenta ser repetitivo. Este falecimento é uma comédia (e uma fatalidade) com piada.
10. SEX EDUCATION (Netflix)
Estamos perante mais um tiro certeiro no porta-aviões das almas puritanas (Olá CDS!) que, por ser uma narrativa com foco na adolescência, joga no campeonato de Skins e Shameless. Não é, apesar disso, provocador como o primeiro ou caótico como o segundo. Com diálogos interessantes e sabiamente pontuados de humor, somos confrontados com os fantasmas da sexualidade e da vida em geral. Ler o texto inteiro aqui.
11. SILICON VALLEY (HBO)
Os geeks, os nerds e todos os que estiveram de corpo e alma na recente Web Summit têm motivos de contentamento. A mais cómica passagem do ambiente da tecnologia para o ecrã está de volta! Basicamente, a sexta temporada evidencia as adversidades de uma empresa que se tornou adulta e vencedora (startup? É coisa para meninos). Mas, a brincar a brincar, os primeiros episódios criticam os gigantes Facebook ou Google e mostram que a privacidade vai ser riscada do dicionário. Que saia a próxima chalaça ou uma qualquer invenção “Sillyconiana”.
12. STRANGER THINGS (Netflix)
Quando o produto é bom, estranho é não o consumir de uma assentada. Ao terceiro volume, a criatividade dos irmãos Duffer revela consistência e é alicerçada, mais uma vez, por excelentes performances. Como é hábito, o monstro é mau e feio como o caraças; a miudagem continua a saga “mini-Sherlock Holmes” (com destaque para a black kid deveras engraçada, Erica); nunca mais vais ver um nadador-salvador numa piscina com os mesmos olhos e os russos não faltam à chamada em plena Guerra Fria. O mundo ao contrário está bem e recomenda-se.
13. TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO (RTP1/disponível na RTP Play)
Na última década, Portugal sofreu um abalo sem precedentes no capítulo da corrupção. Quando alegadamente um ex-primeiro ministro e o maior banqueiro do país conspiraram em várias frentes, tudo o que parecia intocável caiu que nem um baralho de cartas. Mesmo que o tom seja fictício – algo enfatizado por dois assassinatos -, a série produzida pela Stopline Films põe a mão na ferida e revela como determinada elite mexe os cordelinhos para tentar controlar as instituições do Estado (como as secretas) ou a comunicação social. O argumento centra-se na investigação de uma jornalista (a actriz Carla Maciel) e de um inspector da PJ (Rúben Gomes), mas é no peculiar modus operandi de um advogado diabólico (Gonçalo Waddington) que se vê como tudo funciona… Esta conspiração é um pequeno-grande manual da trafulhice entre portas.
14. THE ACT (Hulu)
Quando certas aberrações são transportadas para o ecrã, temos que nos beliscar para acreditar que foi mesmo real. Desta vez, temos uma mãe que inventou doenças na filha para ter benefícios de toda a ordem. O que não esperava é que a sua descendente acabaria por descobrir que tudo não passa de uma gigante fraude (esta falsidade também foi revista de forma jocosa na série The Politician)… Depois de Escape at Dannemora, Patricia Arquette é novamente bastante fiável.
15. THE END OF THE FUCKING WORLD (Channel 4/ Netflix)
Há casais (ou duplas) inseparáveis. Depois de nos terem deixado aparvalhados com a sua insanidade sã, os dois seres mais apanhados do clima britânico retornam em separado. Ela a tentar uma nova oportunidade com a mãe noutro ponto meridiano; ele a recuperar o tempo perdido junto do pai, depois de ter sobrevivido a um tiro durante uma perseguição policial (oops, spoiler alert tardio…). Para apimentar a coisa, há uma nova girl in town. Procura vingança por “um amor que lhe foi retirado” e, para não ser excepção à regra, tem episódios familiares igualmente sui generis. Chamar “ dark dramedy” a este universo que desafia a lógica e o senso comum – resultado da banda desenhada com o mesmo nome – , é completamente ajustável.
16. THE PAPER (Netflix)
Com a avalanche de tweets e posts que ganham diariamente uma autoridade desmesurável, a comunicação social corre o sério risco de abandonar a alcunha de quarto poder. Nos entretantos, devias pôr os olhos neste enredo croata que exibe eficientemente o threesome de interesses entre políticos, empresários e jornalistas. Queres mais uma justificação para clicares em Novine (título na língua de Modrić)? A presença da moçoila que marcou o épico Gato Preto, Gato Branco, filme de Emir Kusturika. Branka Katić, alguém?
17. UNBELIEVABLE (Netflix)
Quando não tem receio em enfrentar o que lhe sucedeu, a vítima de violação sexual tem a difícil tarefa de relembrar os detalhes do ignóbil incidente aos mais chegados ou aos agentes de autoridade. E, como se isso não bastasse, a dor pode estender-se quando surgem dúvidas relativamente ao depoimento – de que lado está a razão? Com um elenco superlativo, onde se destaca o trio Kaitlyn Dever (que esteve no badalado Booksmart), Merrit Wever (no empowering Godless) e Toni Collette (no clássico O Casamento de Muriel), este drama conta-nos factos verdadeiros que ocorreram, entre 2008 e 2011, nos EUA.
18. WATCHMEN (HBO)
Tem sido uma das polémicas do momento. Será que Martin Scorcese tem razão em afirmar que os filmes da Marvel não são cinema? É que ao defendermos essa declaração, também não podemos considerar Watchmen uma produção televisiva aceitável por ser oriundo da DC Comics. Em função disso, estamos do lado de Natalie Portman que afirma que “não há uma forma única de fazer arte”. E, quando o conteúdo e a mensagem inerentes são aprazíveis – caso deste mirabolante trabalho de Damon Lindelof que questiona, entre outros assuntos, o perigoso renascimento dos movimentos racistas – ficamos pregados à TV. E o que dizer de duas grandiosas gerações de actores representadas por Regina King e Jeremy Irons? Vale a pena ser vigilante.
19. WHEN THEY SEE US (Netflix)
O preconceito é um dos males que nos leva a ter atitudes parvas ou a tirar conclusões precipitadas. Baseado num evento verídico, em Nova Iorque, o espectador é transportado para o fim da década de 80 quando cinco adolescentes são acusados de violar e assassinar uma jovem que se encontrava a fazer jogging. A cor da pele dos suspeitos tem um peso crucial durante a rapidez da investigação e, para que não falte uma crítica ao actual cenário político nos states, até Trump é chamado à coação. Há injustiças difíceis de engolir.
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