É quase que rotineiro o lançamento de um rap falando de rap (desculpa mermo a paráfrase com meu próprio nome). Quem está no topo, quem não tá, quem faz dinheiro, quem vendeu ou comprou feat, brigas familiares, história de corno, negócios, contratos… O rap acontece dentro do rap, mas nem sempre.
Em seu álbum de estreia, o carioca Sos sai dessa atmosfera de bragadoccios e beefs manjados e usa o storytelling para se descrever como um MC que se destaca numa cena recheada de talentos. Esse é o tom que permeia Serpentes e Holofotes, disco que puxa a fila dos primeiros grandes álbuns de rap nacional em 2019, ao lado dos também capricornianos Veterano do Nego Gallo e Prin$ do mineiro Chris MC.
Videos by VICE
Sos já teve grupo, lançou singles, mixtape, mas começou a despontar de fato quando virou membro do selo e gravadora Uclã. Ele é fruto de um movimento de sucesso promovido pelas cyphers das bancas do rap do Rio, que viu 1Kilo, A Banca Records e o próprio bonde que o rapper faz parte colocarem vários nomes no mapa do cenário nacional. Toda essa exposição, acompanhada de tretas e comentários, era pura confusão pro Matheus Sosnowski (nome de batismo de Sos), até ele entender que pra ser melhor compreendido precisava mostrar que era mais do que os 40 segundos que os ouvintes tinham dele nos sons da Uclã. E foi nesse momento que Sos se juntou com os produtores Pedro Lotto e Paiva (White Monkey Recordings) pra dar o primeiro passo em direção ao trampo que traria ainda mais Serpentes e Holofotes ao seu caminho.
Além de relatos sobre a disputa por hype na cena atual (como em “Gotham City” e “Empilhando Corpos”), Sos surpreende com melodias e sinceridade em “32 Andares”, além de apresentar seu lado que também lembra da ex & se apaixona nas faixas “Grande Erro”, “Tudo Sobre Você” e “Esquema” — as duas últimas contam com as participações de Chris MC e Pelé MilFlows, respectivamente.
“O engraçado é que a única música que eu fiz pensando em alguém foi “Empilhando Corpos”, que tem o Predella (do Costa Gold). Eu fiz o disco inteiro e do nada eu recebi um áudio do Predella falando que queria gravar comigo. Mal sabia ele que eu já tinha uma faixa pronta esperando ele”, me contou o Sos durante um rolê que fizemos juntos quando ele esteve em São Paulo na semana passada.
Leia outras histórias sobre o álbum e o próprio rap na entrevista abaixo.
Noisey: O Rio de Janeiro é um dos maiores celeiros de novos rappers hoje. Você acha que o Rio é onde as coisas realmente estão acontecendo dentro do rap hoje?
Sos: O país inteiro tem gente boa, mas sempre rolou isso do eixo Rio-São Paulo. De certo é mais fácil, mesmo, mas dentro desse eixo existe uma selva com milhares de caras bons que acabam entrando ou não naquele de grupo de quatro ou cinco MCs que o público para pra ouvir de verdade.
Como surgiu a ideia de fazer um álbum? E qual foi o processo de criação dele?
Ano passado, assim que a galera começou a parar pra me ouvir nas cyphers da Uclã, eu entendi que era a hora de mostrar que eu sou mais do que 40 segundos numa track. Pensei: “Ok, já conhecem minha cara… agora vão conhecer o artista”. Trabalhei muito em cima de apresentar quem eu sou e o que eu sei fazer quando comecei a criar esse álbum, tudo foi bem planejado e tô muito satisfeito com o que a gente fez ali.
O álbum ficou pronto em agosto. Em quatro dias eu, o Paiva e o Lotto fizemos e gravamos as 15 faixas e a partir daí eu me programei bonitinho — em setembro já tínhamos tudo engatilhado pra lançar em janeiro. Tivemos a preocupação de soltar no momento certo pra não queimar um material tão bonito entregando cedo demais. A gente precisa ter o feeling de saber a hora e não deixar passar do ponto, também. Foi bom pra abrir o meu ano começando um novo momento na carreira.
Qual é o conceito do Serpentes e Holofotes?
O disco gira em torno de tudo que eu passei do ano passado pra cá. As coisas mudaram muito rápido e foi tudo muito intenso — eu demorei pra entender onde eu estava, com que eu estava andando, e o que estava acontecendo ao meu redor. Eu vi que eu era um cara novo num âmbito novo e quis prestar atenção em que lugar eu estava entrando. A partir disso aí foi fácil criar; tanto que no dia que eu escrevi a primeira música do álbum [“Gotham City”] já me surgiu a ideia da “Empilhando Corpos”, que é quase que um storytelling do que é o jogo do rap.
A minha faixa favorita do álbum é “32 Andares”. O que mais me chama atenção é o refrão dela, onde você diz que nem gosta tanto assim de trap. É real isso?
“32 Andares” é a minha vida, toda vez que eu ouço sinto a mesma coisa que senti quando tava escrevendo, sabe? Nunca fui tão sincero. Eu gosto de trap, a galera ouve e interpreta que eu não gosto mas não é isso, tem vários bagulho maneiro pra você ver. Meu pai veio do charme, eu vim daquele R&B gospel e sempre quis cantar e não rimar. Eu não vim do trap, e por incrível que pareça fazer músicas como “32 Andares” são fáceis demais pra mim, e no trap eu acabo travando.
Você considera a cena nacional mais trap?
Eu acho que o underground já não é mais tão underground assim, na verdade. O hip hop tá vivendo o seu melhor momento comercial até hoje, a gente só tá começando a fazer dinheiro aqui porque há quase dez anos tinha rapper fazendo milhões lá na gringa. O trap tá abrindo muitas portas aqui no Brasil.
Além de falar de como você se enxerga na cena, “Gotham City” também trata de uma temática presente durante todo o disco: fazer dinheiro. Qual a importância disso numa cena que tá começando agora a gerar uma grana?
É perigoso, ainda mais pra uma pessoa que não sabe onde tá se metendo. Imagina você como artista fazer em três semanas o dinheiro que você fazia em um ano de trabalho, a gente tem que ter cuidado com isso. Não tem tanto a ver com o dinheiro, mas sim com o que você pode fazer com isso; quem eu quero ajudar com isso? Quanto vale o meu suor em cima do palco? Se você chegar perdido, não vai se dar bem. É sobre compartilhar e se sentir bem com o que faz.
Como rolou o convite pra fazer o álbum com o Paiva e o Lotto?
Eles me viram na “Boas Vindas” e me ligaram falando que tinham curtido o meu som, queriam lançar a minha parada e nessa troca de ideia vimos que a nossa concepção batia. Todo mundo sabe da qualidade que os caras têm, e recebendo um cara novo como eu, foi muito além do que eu imaginava. Eles entenderam o que eu queria fazer e embarcaram em todas as loucuras que eu tinha na minha cabeça. Acho que até por isso o álbum fluiu em só quatro dias.
A gente percebe que o jeito de fazer música hoje é todo muito parecido, tanto na abordagem quanto nos flows. Você acha que isso pode fazer artistas ou o próprio público se acomodarem?
Acho que não atrapalha, todo mundo é influenciado por algo ou alguém. Existem os artistas que dominam o estilo e outros que querem ser, esse caminho que faz as coisas se parecerem muito, mas quem não tá só emulando sempre sai na frente.
Lançar um álbum hoje em dia não é ir um pouco contra a maré desse mar de singles que existem hoje?
De certa forma, sim. Acho também que ter ou não um álbum mostra muito bem que rumo você quer pra sua carreira, porque dinheiro dá pra fazer das duas formas. Não ligo que leve cinco ou seis anos pra eu ser o mais estourado ou que esse dia não chegue também, minha meta como artista solo é poder olhar a minha obra e estar tranquilo por ter feito o que eu queria e não me envergonhar de nenhuma linha.
Leia mais no Noisey, o canal de música da VICE.
Siga o Noisey no Facebook e Twitter.
Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.