FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Turnê Coxinha

O Fábio Mozine é um canela-verde hardcoreano com muita merda na cabeça. Você deve conhecer ele como baixista do Mukeka Di Rato, por ser dono da LäJä Records ou simplesmente por quase ter se pirulitado da existência...

O Fábio Mozine é um canela-verde hardcoreano com muita merda na cabeça. Você deve conhecer ele como baixista do Mukeka Di Rato, por ser dono da LäJä Records ou simplesmente por quase ter se pirulitado da existência num acidente feião de carro na Europa uns três anos atrás. Pra mim ele é o escritor que se aproveitou da boa fé do Estado de Direito brasileiro pra levantar uma grana e escrever um livro sobre três miseráveis que saíram pra rolezar pelo Mercosul com uma banda do Espírito Santo chamada Merda. Isso, de onde eu venho, é chamado de ‘irado!’

Publicidade

Una Gira En Sudamerica Com o Conjunto de música rock Merda aconteceu em 2005, foi escrito logo depois, mas só saiu no meio de 2009. Eu mandei um e-mail pra ele marcando uma entrevista no começo desse ano. Demorou, mas ele respondeu, e a gente finalmente se falou. Só depois ele me explicou que a mensagem tinha ido parar no lixo eletrônico “junto com aquelas de alargamento de pênis”. Não faço ideia do como ou porque, mas ele achou o e-mail e a conversa aconteceu. E, cara, o sotaque dele é engraçado…

Vice: A primeira coisa que eu li foi a contracapa. Lá o João Gordo diz que seu livro é “diversão garantida pra se ler cagando”. O que você acha disso?
Fábio Mozine: Rapaz, o nome da banda é Merda, sacou? Quando você tem uma banda que chama Conjunto de Música Rock Merda você já deu as piadas e todos os trocadilhos, tá ligado? Talvez um ou outro encare isso de forma negativa.

Mas a sua intenção foi escrever literatura de privada ou foi por acaso?
Cara, eu escrevia tudo num caderno. Quando dava um tempo eu escrevia rapidamente o que tinha acontecido; no carro, antes de dormir… Como ficou tudo numa forma bem bruta, bem tosca, eu pensei em publicar em um blog ou alguma coisa. Só que, bicho, eu coloquei umas palhaçadinhas e umas coisas pessoais, e tinha muita foto, então ficou com cara de livro. Aí me inscrevi numa lei de incentivo do Espírito Santo pra tirar ele da gaveta logo, senão poderia estar aqui até hoje.

Publicidade

Então você usou dinheiro público nele?
Teve fomento cultural. Eu entrei num programa de uns R$ 10 mil.

Conseguiu pagar toda a produção com esse incentivo?
Eu pedi, assim, o suficiente pra dar mesmo, né? Então quando eu fui pagar impostos, pagar um, pagar outro, acabou que eu tive que por uma pequena quantidade. Mas posso te dizer que quase tudo foram eles que pagaram.

Que engraçado. Dinheiro do contribuinte pra levar pra frente um projeto Merda desses… Isso sim é que é muito hardcore, né? O que você acha disso?
Eu acho maravilhoso. Você já pagou pelo meu livro e, se quiser ler, vai ter que pagar de novo! [risos] Excelente!

Você já pensava em escrever esse livro quando saiu pra turnê?
Não. Não tinha nem ideia. Porque, assim, eu tinha vontade de deixar algum registro escrito pelo hotsite mesmo, na internet. Depois eu percebi que dava pra ser um livro e, só por último, eu recorri à lei, sacou? Independente da lei o livro sairia.

Qual foi a tiragem?
Foram mil exemplares. Entre distribuir e vender, já se foram uns 600.

E tá pensando em fazer uma segunda edição?
Rapaz, eu to pensando em fazer a segunda edição, sim. Quando tava escrevendo – mesmo por causa do prazo da lei e tal – tive que dar uma corrida no final. Cem por cento brasileiro, saca? Deixar pro finalzinho e sair correndo… Depois, lendo e relendo, eu achei uns erros de português e digitação que me incomodam, que eu gostaria de corrigir. O livro em si eu acho bastante legal, então eu gostaria de lançar uma segunda edição no capricho. Filé mesmo! E se bobear deve rolar esse ano ainda.

Publicidade

Já falaram muito mal do livro?
Na verdade… É até meio perigoso isso, mas por enquanto só falaram bem, sacou? Eu queria transmitir. Queria passar uma coisa que desse a impressão que eu tivesse contando essa história. Eu nunca tinha escrito um livro.

Quais foram suas influências? Já teve gente chegando pra dizer que enxergou ‘quês’ de On The Road, Get In The Van…? Quatro Amigas e um Jeans Viajante…
Na verdade, bicho, foi muito livro de influência, sacou? Eu li o Odisséia [Jason 2001: Uma Odisséia na Europa, de Leonardo Panço] e Guitarras e Ossos Quebrados, do Quique [Brown]…

Vocês viajaram em 2005, mas o livro só saiu em 2009. Quatro anos depois o que fez você achar que ainda valia a pena lançar o livro?
Não dá pra explicar, às vezes um projeto toma prioridade na frente do outro. Às vezes o Mukeka é prioridade, depois outro… Quando eu cheguei da viagem a primeira coisa que eu fiz foi transcrever tudo pra não esquecer. Mas depois eu tinha tanta coisa pra fazer… Ir pra Europa com o Mukeka, ir pra não sei onde com tal banda… Então acabou não rolando. É que são várias ideias que você vai colocando no papel, e umas vão saindo e outras vão esperando. Rolou uma coisa parecida agora com Os Pedrero. A gente gravou o disco e demorou três anos pra sair. Mas foi o que te falei: a lei ter aceitado meu livro foi um passo legal que me deu estímulo. Pensei: “porra, a grana tá na minha mão. Vou dar mole?” Então tive que correr. E o livro do Quique também deu uma noção de que é fácil de se fazer, sabe?

Publicidade

Você registrava tudo num Moleskine?
Escrevia num caderninho de arame pequeninho. Dentro do carro eu fazia um resumo brutal do dia, sacou? Em tópicos, do tipo “Macaé, show, + ou - 150 pessoas”, “menina vomitou”, “comentar pneu furado”… Cada dia eu anotava umas duas três páginas, mas eu coloquei de uma forma muito fácil e não esperei muito. Logo depois que cheguei, transcrevi todo o caderno. Uma página dele virava dez do Word, sacou? E tava tudo muito fresco na cabeça, então os tópicos que estavam lá me ajudaram bastante.

Você já fez várias turnês com as outras várias bandas suas. Mas o que fez essa do Merda merecer as 150 páginas?
Essa do Merda foi uma viagem muito especial, sacou? Primeiro porque, turnê mesmo, foi a primeira da banda. E imagina: a gente tocou no Brasil todo com uma banda chamada Merda, 100% tudo organizado pela gente, três caras num golzinho… Fomos pro Uruguai, Argentina…

Uma coisa que eu senti falta no livro foi da putaria. Vocês são uma banda de HC e não falam nada de putaria. O que aconteceu? Ou simplesmente não aconteceu nada?
Cara, o que aconteceu foi o seguinte: um monte de homem casado e cansado. E também a gente queria fazer a coisa certa. Tinha show todo dia, então muitas vezes rolou de a gente só querer dormir mesmo. Acho que a responsabilidade bateu muito alto na gente. Foi uma coisa que a gente sentou antes e conversou. E não rolou putaria porque a gente não quis também, sacou? Se você quiser arrumar sarna pra se coçar você arruma em qualquer lugar. A gente não foi fazer balada. Rolaram outras paradas que de vez em quando ali, dixavadamente, a gente até dá uma ideia, mas… Também não vou ficar falando disso tão abertamente assim porque eu não sei se valeria a pena ficar comentando o que eu fui fazer depois te tal show, se fui beber isso, usar aquilo… Não me senti à vontade de colocar isso de uma forma tão aberta porque minha intenção não era falar sobre o que eu faço ou não. A intenção era falar tipo: “tenho uma banda, ela é tosca pra CARALHO, eu edito meu material e faço esse tosco ficar de uma forma pelo menos aceitável”. É pra mostrar que dá pra fazer, é só ter coragem.

Publicidade

Já o que tinha muito era coxinha e cachorro-quente, que vocês comeram bastante. Não ficaram com ânsia cada vez que viam uma coxinha depois que voltaram?
Rapaz, não rola isso porque nego foi criado mesmo na culinária do bucho brutalmente! Mas, cara, a gente comeu muito bem e muito mal. Tinha momentos lá, que eu até chamo no livro, de orgias gastronômicas, assim como tinha vezes que a gente comia mal mesmo, em posto de gasolina. E eu gosto de coxinha! Fazia questão de comer minha coxinha lá.

E como tá o Merda?
A gente acabou de lançar um split, e temos o sonho de ir para o Nordeste. Eu não faria essa mesma turnê de novo, sacou? Se eu tivesse 30 dias de folga e me falassem “vamos fazer a mesma coisa aí” eu não faria. Agora, por exemplo, faria de novo, até numa condição pior, se fosse pra ir pro Nordeste. Nego AMA o Merda no Nordeste. Então a gente tem esse sonho, de fazer uma turnê do Merda no Nordeste.

Olha, só por curiosidade, o que significa LäJä?
Laja é o nome do guitarrista do Terveet Kadet, da Finlândia. As fotos dele são muito engraçadas, meio masoquistas, todo de preto… Aí virou gíria interna aqui em Vila Velha. Seguinte: tava no rock – na balada – aí tinha um cara estranho, bêbado e todo de preto, e aí falava “ó o laja aí”. Aí acabei pegando e metendo no nome da gravadora, porque a sonoridade é boa, a escrita é legal com os tremas – que remete diretamente ao hardcore finlandês, que era uma forte influência nossa na época. Se eu não me engano significa pilha, mas não tenho certeza.

Publicidade

Foi faltar bem nessa aula de finlandês…
[Risos] E se eu não me engano também a pronúncia é ‘léia’, mas eu não faço questão que seja ‘léia’ não… É nome de empregada doméstica.

Sinceramente, o que você achou do livro?
Sei lá, é foda… Eu tava muito preocupado, porque foi a primeira vez. Eu não sou escritor de forma alguma, só escrevi um livro. Tem um milhão de moleques que já pensaram em escrever, que seja história da infância, uma história engraçada, sobre uma viagem… Me considero um desses caras, tá ligado? Eu vivi uma história, quis escrever – pelo fato de estar há tantos anos aí escrevendo letras e em blogs –, e fiquei feliz com o resultado, sacou? Depois que eu fiquei lendo me incomodou encontrar alguns erros de português, só que, bicho, o que me deixou um pouco mais confortável foi que eu recebi muitas críticas positivas. Não só de amiguinho ligado ao hardcore, mas de pessoas nada a ver. Isso foi uma coisa legal, eu consegui quebrar um pouco e fazer com que pessoas completamente fora do hardcore lerem o livro e entender plenamente o que aconteceu. Não precisa ser do hardcore pra entender o que aconteceu ali. E que gostam, que fazem as mais diferentes críticas. Eu fiquei feliz, gostei bastante do acabamento, da arte final, com os textos… O que me falam é que tá natural.

Algum produtor inescrupuloso já chegou pra você querendo comprar os direitos do livro pra transformar em filme?
Ainda não encontrei esse bondoso filho da puta que me fará rico. Estou ansioso esperando por esse momento de lançar a história das nossas vidas ridículas e medíocres na telona.

Publicidade

E quem você gostaria que representasse você?
Johnny Depp ou Brad Pitt.

Dirigido por?
Não conheço diretores de cinema, bicho, e, sendo sincero, será que eles iam mesmo querer dirigir isso? Acho que seria melhor um filme sobre gente cheirando cocaína no Rio de Janeiro.

Tá pensando em escrever outro?
To escrevendo um novo que se chama Esdruxulamente Falando que vai ficar intercalando três assuntos: infância doida, coisas horríveis de turnê e coisas engraçadas de turnês. A previsão é pra sair até o final desse ano, porque são textos pequenos, de no máximo uma página, então acho que vou ter facilidade nesse aí.

As ilustrações da capa são suas também, né? Você fazia aula de desenho?
[Risos] Rapaz… [Risos] Desenho de criança doida!

Uma coisa que me deixou um pouco irritado foi você usar sempre a palavra ‘tour’ e ‘free-way’. Por que, se existem ‘turnê’ e ‘via expressa’ exatamente pra isso?
Não sei velho… Pois é, tá vendo? Apesar de muitos elogios, sempre vem uma crítica ou outra, sacou? Essa aí é uma que eu vou anotar. Na verdade eu tive dificuldade em manter um padrão, principalmente depois de vícios adquiridos por escrever na internet. Por exemplo: de vez em quando eu escrevia Hard Core, depois hardcore… E se eu não me engano, lá em Porto Alegre eles chamam de free way. Não sei porquê. É uma boa pergunta, bicho [risos]. Me fez uma ótima pergunta.

E você conseguiu descobrir o que significa ‘pústula’, que você usa na página 121?
Rapaz, cara… É um negócio ruim, né?

É um negócio zoado!
[Risos] Então deixa aí. Prefiro nem descobrir o que é isso, mas desde que seja ruim tá bom, porque aquele cara era uma pústula mesmo. Pelo menos isso eu acertei.

E agora qual vai ser? Ter um filho ou plantar uma árvore?
Filho eu já devo ter vários por aí, não é possível. Acho que as mães estão esperando eu ficar rico pra virem cobrar dinheiro. As árvores eu quero que se fodam. Foda-se a ecologia, quero que todas as árvores morram; pra fazer celulose, pra fazer mais papel, pra fazer livro, pra eu falar de natureza nos livros.

BRUNO B. SORAGGI