A tendência dos netlabels germinou ainda na época do Orkut e do MySpace — o Facebook e as novas plataformas de streaming, pós-Last.fm, só começaram a pegar mesmo a partir de 2009. Antevendo toda a movimentação que viria a se solidificar nos dias de hoje, pequenas gravadoras pelo mundo decidiram apostar neste formato. Um dos selos pioneiros no Brasil foi o Sinewave, de São Paulo, inaugurado em 2008 pelo Elson Barbosa e o Luiz Freitas, que à época tocava bateria na Gray Strawberries (a banda acabou em 2009). Um tempo depois, em 2012, o Luiz se mudou pra Europa e o Lucas Lippaus, então guitarrista do Gray Strawberries e do Herod (desde 2010), ao lado do Elson (baixo), entrou de sócio no lugar.
“Observávamos a quantidade de bandas incríveis surgindo no Brasil inteiro, cada uma escondida em seu MySpace, e pensávamos em ideias para agrupá-las de alguma forma — um blog, um podcast, um festival”, relembra Elson. “Até surgir a ideia de um selo virtual, que não era algo muito comum na época. Tirar do papel foi simples — bolamos um nome, registramos o site, reunimos cinco discos pra um catálogo inicial, e começamos a divulgar no Orkut”, conta. Daí novas bandas se interessaram, começaram a mandar material, e os caras seguem na atividade. A Sinewave virou referência no rock underground ao mesmo tempo em que as suas próprias bandas estavam apenas começando.
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O conceito do selo é que tudo seja feito com uma única ética em mente: “100% diversão”. Na prática, isso se traduz num escopo que se mantém de forma administrável, com custo baixo e riscos controlados, justamente para que a diversão não dê lugar aos costumeiros problemas vividos por aqueles que perdem o controle e o barato pelo próprio negócio. “Por exemplo, não consideramos receita ou lucro como critério de sobrevivência do selo”, detalha Elson. “Do contrário, já teríamos decretado falência e ido fazer outra coisa.” A Sinewave opera no vermelho, gastando cerca de R$ 20 por mês pra segurar o site no ar. “Não sabemos dizer se somos um ‘business case’ de sucesso, mas ver essas bandas todas lançando materiais incríveis e destruindo em cima de um palco dá um orgulho danado.”
Nesse período de atividade, a Sinewave ajudou a mapear e a formar, a partir do seu garimpo por novos talentos, pequenos cenários antes desconexos em lugares como Curitiba, Porto Alegre e Recife. O crivo para a escolha dos artistas é bastante subjetivo, mas o parâmetro do selo, nas palavras dos sócios, é procurar por “bandas que sangram”. Num contexto em que os canais de divulgação tornaram-se acessíveis aos artistas, um selo do naipe da Sinewave acaba oferecendo como benefício um sentido de identidade compartilhado. Tipo, quando me mandam um som novo da Sinewave, eu já tô ligado mais ou menos no que esperar.
“Damos um suporte para as bandas se aproximarem de outras com estilos semelhantes, aumentando a divulgação para um público interessado”, os sócios me escreveram por e-mail. “Isso alimenta a engrenagem — público se interessando por algo novo, blogs e jornalistas observando a movimentação e cobrindo, fotógrafos e técnicos de som com oportunidades pra mostrar seu trabalho, e, finalmente, tudo isso revelando que existe uma cena de bandas incríveis no Brasil inteiro e que merecem o seu clique. Um selo é meio que um filtro pra ajudar a organizar tudo isso.”
As coisas operam na base do prazer pelo que se faz, mesmo. O lucro com os lançamentos é zero, e, em certos casos, a grana sai das economias pessoais para financiar custos de ensaios e gravações. “Nosso público é de nicho, então o retorno financeiro em shows é relativamente modesto. Streaming não dá dinheiro nenhum. A grana hoje está nos editais, SESCs, grandes festivais, e são poucas as que conseguem chegar até ali. É por isso que mantemos essa ideia de que dinheiro não é critério, e sim o barulho em cima de um palco. O selo se alimenta de ruído”, argumenta a dupla.
Com isso em mente, o maior nome do selo hoje talvez seja o grupo ruído/mm. Eles não foram uma descoberta da Sinewave. Já faziam som e atuavam na independência antes de entrarem para o elenco. Mas a proposta caiu como uma luva dentro das variações de estilo que marcam os garimpos da Sinewave: coisas geralmente entre o pós-rock, o shoegaze e o experimental. “Esses estilos são o que gostamos de ouvir, e na prática são o que mantém o selo vivo”, comenta Elson. “Certamente é algo diferente para o público geral e para o mercado tradicional. Mas acho que só de fugir do tradicional estrofe-refrão-4×4 já abre um leque bacana de ideias diferentes.”
Outros conjuntos da família que se destacam são o próprio Herod, o Kalouv, de Recife, o Sobre a Máquina e outros projetos do Cadu Tenório no Rio de Janeiro, This Lonely Crowd, de Curitiba, Loomer, de Porto Alegre, e Huey, de São Paulo. Uma aposta recente que promete chegar longe é o Mais Valia, de Jaú — marquem esse nome.
Os primeiros cinco plays do selo foram lançados de uma só vez: um EP e o primeiro álbum do Herod, o primeiro do Gray Strawberries, e os EPs do Duelectrum, A Sea of Leaves e [Art].Ficial. Todos esses trabalhos já estavam disponíveis no MySpace, na Trama Virtual e nos blogs de mp3. Eles só foram agrupados. Na semana seguinte, porém, veio logo uma obra inédita, o segundo álbum da Gray Strawberries, primeiro exclusivo do selo. Duas semanas depois, uma lista de lançamentos começava a ganhar corpo. Passados oito anos, o catálogo conta com mais de 173 títulos, entre álbuns, EPs e coletâneas, com direito a vários na fila só esperando a chegada de todo o material.
A Sinewave também organiza festivais com seus artistas. Até aqui, já rolaram 12 edições. O primeiro foi em 2009, onde o Gray Strawberries fez seu último show. Fora o Sinewave Festival, aconteceram mais três eventos em parceria com outros selos: Howlin’, Bichano, TBTCI e Midsummer Madness. No campo dos eventos, as extintas churrascadas da Sinewave ficaram famosas. Tudo começou quando foi criado o grupo do selo no Facebook, em 2012, e os participantes tiveram a sacada de organizar celebrações no QG da Sinewave como uma forma de aproximar a interação.
Não colavam só músicos, mas também blogueiros e uma galera que acompanhava as bandas de perto. “Lembro que, num desses churrascos, um cara comentou que era fã da Lupe de Lupe, sem saber que o Vitor Brauer (guitarra, vocal) estava ali a cinco metros dele trocando ideia com outras pessoas”, relata Elson. “O próprio O Resto É Ruído, podcast que eu faço com o Fernando, do Floga-se, e a Amanda, do Sounds Like Us, nasceu dessa aproximação do grupo no Facebook e dos churrascos. Faz bastante tempo que não marcamos outro desses.”
A coletânea que o Noisey disponibiliza linhas abaixo, com os melhores lançamentos do ano, é o derradeiro lançamento da Sinewave em 2016. As paradas mais recentes que saíram antes da coleta foram o novo EP da Kalouv e materiais do Avec Silenzi, Cadu Tenório, The Tape Disaster, Loomer e Herod.
De resto, o Elson e o Lucas trabalham agora em distribuir os sons nas lojas digitais (Spotify, Deezer, etc.) por meio de uma parceria fechada com a Tratore. Sobre planos para o ano que vem, os caras dão a letra: “Esperamos publicar a maior parte do nosso catálogo nos próximos meses. Também estamos nos aproximando de outros selos para festas em conjunto, e queremos realizar mais festivais em outras cidades fora de São Paulo. E fazer cada vez mais barulho. A graça toda está nisso.”
Ouça a coletânea Sinewave Essentials – The Best of 2016 no player abaixo, no Spotify, no YouTube, ou baixe o disco lá no site da Sinewave.