
To Be Kind
Young God Records
2014

“Quem me dera estar em casa a ouvir Swans”. Quantos de nós já não se depararam no canto obscuro de um qualquer evento social no qual não conhecemos ninguém (mas também quem queremos enganar — como se tivéssemos amigos fora da Internet) a desejar estar de volta na nossa caverna com os headphones colocados a absorver toda a angústia do ensemble de Michael Gira? As introduções são algo inúteis: afinal de contas, estamos a falar de uma das bandas mais geniais no domínio do chamado rock experimental que ainda teima em manter-se no activo desde a sua criação no longínquo ano de 1982, ainda que contando com um hiato de cerca de uma década a meio do percurso. Donos de uma discografia tão extensa quanto variada, com abordagens que vão do noise puro e duro ao post-rock espacial, dando até um cheirinho a outros géneros tão bizarros como certeiros, é provável que qualquer ouvinte encontre malhas de Swans para muitos dos estados de espírito que percorre — principalmente se esses partilharem profundos sentimentos de puro ódio e desdém.
Depois de em The Seer nos terem deixado uma maratona sonora de duas horas, To Be Kind acrescenta dois minutos à duração para igualar nova aposta ambiciosa. Tentamos controlar a nossa impaciência de adolescente excitado, mas tudo isso é inútil: arranca “Screen Shot” com o seu baixo recheado de groove e quando damos por nós estamos já a abanar a cabeça e com um ar de pura satisfação estampado na face. To Be Kind é melodioso, desconcertante, brutal e frenético ao mesmo tempo. É a festinha no cabelo quando estamos carentes e o soco nas trombas quando precisamos de acordar para a vida; é o arrepio incómodo na espinha de “Oxygen”, o ritmo alucinante das maracas em “A Little God In My Hands” ou um flutuar mágico pelo espaço sideral em “Just a Little Boy”.
Não é só na longevidade total do disco que To Be Kind encontra pontos em comum com o anterior The Seer: na verdade, este parecia preparar-nos para o que encontraríamos dois anos depois com renovada variedade e interesse — o que só pode significar uma data de coisas boas, este upgrade face ao que foi um dos discos do ano de 2012. De volta estão também as faixas de longa/longuíssima duração: cinco canções com mais de dez minutos compõem o ramalhete, com o destaque para os 34 minutos de “Bring The Sun / Toussaint L’Ouverture”. No entanto, a extensão destas faixas quase nunca chega a ser um problema. Aliás, estão repletas de momentos interessantes — como a absoluta insanidade de Michael Gira nesta última canção — que definem na perfeição a atmosfera das mesmas e do próprio disco. É isso que nos faz querer continuar a ouvi-las até ao fim, reduzindo o aborrecido e a repetição inconsequente a níveis mínimos e/ou suportáveis.
Bandas com mais de 30 anos não deviam estar a fazer em pleno 2014 mais um dos seus grandes discos. Mas só seremos surpreendidos se quisermos: em toda a sua carreira, os Swans deram provas de serem a excepção e, com isso, de nos deliciarem com a sua criatividade e ecletismo. E To Be Kind é, apenas e completamente, Swans. Respira potência, vigor e tenacidade, como se fosse um predador que rodeia a presa na savana, inquieto e certo da sua posição. Por quanta mais música nos quiserem enfiar nos tímpanos sem pedir licença, estaremos prontos para a receber de bom grado e sem esquisitices. In Gira we trust.
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