Sete anos depois do início do projeto de implantação das UPPs no Rio de Janeiro, chegou a vez do Complexo da Maré começar a receber as suas unidades pacificadoras. No dia 1º de maio, Dia do Trabalhador, o policiamento dos bairros Nova Holanda, Parque União, Rubem Vaz e Nova Maré deixou de ser feito pelo Exército e passou a ser responsabilidade da Polícia Militar – o desenvolvimento do processo que começara um mês antes.
As comunidades Nova Holanda e Parque União são importantes áreas dominadas pelo Comando Vermelho. A Nova Maré é uma área de fronteira entre o Comando Vermelho e o Terceiro Comando. A demarcação da fronteira me foi explicada em um rolê bem tenso de carro pela Rua Ivanildo Alves sentido Linha Vermelha: “Aqui é a divisa: do lado do motorista, é tudo Terceiro; e do lado do passageiro, é tudo C.V”. Eu já tinha sido alertado antes de entrarmos na rua para eu esconder minha câmera e não ficar olhando muito para os lados. As infinitas marcas de bala nas paredes das casas me lembravam dessa regra a todo momento.
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No meu primeiro dia no Complexo da Maré, me disseram que no museu local a população poderia bater um papo amistoso com os homens de farda para discutir as mortes e as trocas de tiro. Nesse evento, se desenhava o começo da troca da guarda desses bairros: o Exército estava se preparando para vazar e a PM, para chegar.
Na porta do encontro, um verdadeiro aparato de guerra esperava os poucos moradores que se aventuraram a sair de casa bem cedo para estar lá, militarmente, às 9h da manhã dum sábado.
A dúvida de todo mundo era simples: o que a Polícia Militar pretende fazer de diferente do Exército, que acuou o tráfico com seus tanques, mas não resolveu o problema? Então o major Cardozo, representante da Polícia Militar presente no evento, tentou explicar:
“Os profissionais que estarão presentes aqui na UPP vêm de uma preparação de polícia comunitária e de proximidade. O principal fator é entender o cidadão que mora no local, entender as dificuldades; de maneira alguma, nosso propósito é incitar qualquer tipo de violência ou trazer mais violência”.
Dez dias antes desse evento, havia ocorrido a substituição das Forças de Pacificação nas comunidades de Roquete Pinto e Praia de Ramos, coincidentemente áreas dominadas por milicianos. Essas áreas serão as primeiras a receber uma base de polícia pacificadora, prevista para junho de 2015. Naquela ocasião, Frederico Caldas, relações-públicas da PMERJ, em entrevista coletiva pronunciou a histórica frase:
“Existe um clima de pessimismo em relação à pacificação. Se der errado, vai todo mundo para o buraco. Vai para o buraco a polícia, a sociedade, vai todo mundo”.
Na ação realizada no Dia do Trabalho, as comunidades foram cercadas, mas a polícia não foi muito além dos acessos que já eram controlados pelos ” periquitos“.
Se nem a PM, nem o Exército, estavam na favela, imagina a imprensa?
O fotógrafo Tércio Teixeira, do R.U.A fotocoletivo, nos contou que, às 6h da manhã, quando tomava um belo de um café com outros profissionais da mídia, um homem apontou uma pistola para dentro do bar, subiu na garupa de uma moto e foi embora.
O repórter cinematográfico da Record, Marcos Pinudo, teve um culhão da porra e registrou imagens dos olheiros do tráfico fazendo sinais para a imprensa ralar peito de lá.
Depois de um ano acuados pelos tanques sem muito sucesso, não seriam jornalistas que intimidariam os traficantes. Imagino que tenha sido um dia bom para o comércio: não eram poucos os papelotes jogados pelo chão.
Os militares do Exército foram substituídos nas quatro comunidades por 369 policiais do 22º BPM (Maré). A PM previu e cumpriu algumas ações que seguiriam essa primeira ocupação.
O Batalhão de Ações com Cães levou os dogs para um passeio e apreendeu, na segunda-feira, na rua do Canal, 2.259 cápsulas de cocaína, 164 trouxinhas de maconha, 11 tabletes da droga, 60 pedras de crack, três balanças de precisão e dois rádios transmissores. No mesmo dia, na rua São Jorge, apreenderam 1.174 pedras de crack, 227 trouxinhas de maconha, 100 sacolés de cocaína, 2 kg de pasta-base da droga, além de 89 munições de calibre 7.62. Tudo isso fica na comunidade Nova Holanda.
Além dos dogs, o BOPE apareceu por lá na terça-feira, dia 4, e os moradores relatam que o tão temido Caveirão voltou a rondar a área.
Se a implantação das UPPs na Maré divide a opinião de intelectuais, analistas, jornalistas, políticos e se pá até de Jesus, que dirá a dos moradores.
Até o dia 30 de junho de 2015, o Exército deve deixar o Complexo da Maré por completo e as outras 10 favelas devem ser ocupadas pela PM, que, a essa altura, já deve ter pelo menos uma das quatro UPPs previstas funcionando.
Foto: Tércio Teixeira, R.U.A fotocoletivo.
A sensação que fica é de que, apesar da declaração do RP da PMRJ, se a pacificação der errado, quem vai pro buraco mesmo é o morador da Maré, que, além de viver com traficantes, vai ter passado por bem mais de um ano convivendo com tanques de guerra na porta de casa e agora com a perspectiva duma polícia amplamente criticada. As chances de a comunidade de mais de 100 mil pessoas – escondidas por um tapume acústico que isola a famosa Av. Brasil do complexo – continuar sendo um lugar em disputa territorial eterna entre grupos armados paralelos ao Estado e o próprio Estado representam um temor quase palpável.