Música

Consultamos Advogados para Saber se o Processo do Disclosure Tem Alguma Legitimidade

Na semana passada, o quase-tablóide britânico Daily Mail publicou um artigo particularmente insano sobre um drama queeeente envolvendo o Disclosure  e uma compositora até então desconhecida chamada Katie Farrah Sopher. De acordo com Sopher, seu caderno de letras foi roubado por um ex-namorado violento, e ele o teria passado adiante para os seus contatos na indústria da música. Essas letras alegadamente terminaram nas agora onipresentes músicas do Disclosure “You & Me”, “White Noise” e “Latch”.

Sopher, por sua vez, está pedindo nada módicas  £200 mil libras (aproximadamente R$ 780 mil realidades) por perdas e danos. Entre os réus do processo estão Guy e Howard Lawrence do Disclosure e também os colaboradores Eliza Doolittle (denominada Eliza Caird), Sam Smith, e Aluna Francis e George Reid do AlunaGeorge. No último dia 21, o Disclosure negou qualquer infração por meio de um pronunciamento que afirmava: “Nós não entramos nessa indústria para roubar ideias de outras pessoas”.

Videos by VICE

Esse tipo de processo de propriedade intelectual envolvendo música pode causar bastante dor de cabeça para todos os envolvidos, e  também para qualquer um que tente seguir os procedimentos. Na tentativa de entender alguns jargões jurídicos, nós procuramos dois advogados de entretenimento, um de cada lado do oceano: Anibal Luque, de Nova York, sócio-fundador da Hoffmann Luque LLP, e Bob Page, de Londres, sócio na firma especializada em mídia Mathias Gentle Page Hassan LLP. Eles nos ajudam a descobrir o que diabos se passa no meio de toda essa encrenca.

THUMP: Como alguém como Katie Farrah Sopher poderia provar que o Disclosure e o AlunaGeorge roubaram suas letras?
Bob Page
: A Sra. Sopher teria que provar uma série de coisas para convencer um juiz. Ela é qualificada para proteção de direitos autorais sob a lei inglesa; que ela foi autora das letras que ela diz que escreveu; que essas letras eram originais e foram expostas aos alegados infratores; e que uma substancial  parte das letras dela foram copiadas nas músicas do Disclosure.

Anibal Luque: Algumas questões que eu perguntaria são: o ex-namorado roubou outras coisas dela? Ela fez um boletim de ocorrência dos itens roubados? Ela tem emails ou algum outro tipo de peça escrita que prove a cópia ou mostre uma cadeia de eventos de como as letras saíram dela para o ex-namorado, e do ex-namorado para o Disclosure?

A Sra. Sopher diz que as letras dela foram inspiradas pela sua relação com um ex-namorado violento. Em “You and Me” há um verso que diz: “Rolling with the punches / So they won’t get inside our happiness” (“Desviando dos socos / De forma que eles não atingem a nossa felicidade”). Mesmo “rolling with the punches” sendo uma expressão idiomática comum, o conteúdo dessas letras pode ser usado como evidência?
AL:
Mesmo que ela tenha evidências documentadas de que sofreu violência do seu ex-namorado, isso não encerraria a questão se ela escreveu ou não as letras, ou se o ex-namorado repassou as letras para o Disclosure. O conteúdo das letras só é considerado no contexto de sua similaridade com o trabalho alegadamente infrator, não em quão provavelmente o autor as escreveu baseado em experiências pessoais. O Bob Marley não precisou de fato atirar em um xerife para escrever a letra de “I Shot the Sherriff”.

Tem um caso que é um ótimo exemplo, envolvendo os Bee Gees e “How Deep is Your Love”. Eles foram processados por alegadamente roubarem parte de uma melodia de outro compositor, mas pelo fato de o compositor não poder provar que os Bee Gees tinham acesso anterior à música dele, a corte decidiu em favor dos Bee Gees. Os Bee Gees também tinham testemunhas confirmando a alegação de que eles criaram o trabalho independentemente, durante uma jam session, o que é uma defesa contra infração de direitos autorais.

BP: Embora seja extremamente triste que a Sra Sopher tenha passado por um relacionamento abusivo, referências a tal abuso nas letras que ela diz que escreveu seriam provavelmente irrelevantes para os propósitos da alegação contra o Disclosure. Isso seria considerado no máximo evidência circunstancial. Poderia, é claro, ser uma completa coincidência que ambos os compositores tenham escrito letras que podem ser interpretadas como referências a um abuso.

A Sra. Sopher está pedindo mais de £200 mil em perdas e danos. Como reclamante chega a uma quantidade específica de dinheiro? Você acha que ela pode conseguir tudo isso nesse processo?
BP:
Eu creio que, seja lá quem for que entrou com o processo pela Sra. Sopher, colocou um valor grande porque o álbum vendeu bem e as músicas provavelmente levantarão uma quantidade substancial de dinheiro através do tempo, a partir de vendas de discos, de royalties de transmissão e de outras fontes. Como nesse caso o dinheiro entra de lugares estrangeiros e pode levar muito tempo para entrar, seria praticamente impossível ter uma noção exata das perdas e danos nesse momento.

AL: É preciso avaliar não só quanto das letras dela foram usadas em comparação com a versão final da música, mas também o quão importantes foram as letras dela no todo da composição. Por exemplo, na música “CoCo” de O.T. Genasis,  a frase “I’m in love with the coco” tem apenas seis palavras, mas é o refrão e o coração do trabalho.

O que acaba acontecendo normalmente é que as partes fazem um acordo fora da corte, onde o autor original recebe um valor fixo ou uma porcentagem nos lucros da música, baseada nos royalties de composição que seriam colocados no nome dela.

Com os custos processuais e os honorários de advogados, o requerente em um caso como esse gasta uma porrada de dinheiro para talvez receber depois?
AL:
Se fosse na América, sem registro anterior de direitos autorais ela teria que gastar mais de seis dígitos em taxas legais para chegar ao ponto de saber o quanto ela de fato possuía, e isso não garante que o tribunal concederá a requerente esta quantia. Mas se ela tivesse registrados os direitos autorais antes da infração, ela poderia ter os seus custos legais pagos pela outra parte.

BP: Se ela estiver pagando advogados particulares, sim. A Sra. Sopher afirma que o caderno com as letras dela desapareceu pouco depois que ela se separou de seu ex-namorado. Isso é muito ruim [pra ela] pois o caderno de letras é de importância crucial para sua alegação. Dada quantidade de dinheiro requerida, e a aparente ausência de evidência crítica, eu penso que esse não seria um caso atrativo para investidor terceiro. Ela pode contratar um advogado por acordo contingente, baseado nas perdas e danos, mas novamente, a evidência perdida faria a maioria dos advogados achar esse tipo de acordo pouco atrativo.

Ela pode representar a si mesma, no caso gastaria apenas os custos processuais, mas mesmo esses não são tão baixos. O custo de processo é de £1515 (R$ 5910) para fazer uma alegação entre 200 mil e 250 mil libras, com taxa de audição de £1090 (R$ 4253) a ser paga antes do processo. Se ela perder o processo, muito provavelmente ela será instada a pagar os custos dos seus oponentes, que seriam então bastante substanciais – poderiam ser os próprios se não mais do que os 200 mil libras que ela aparentemente está pedindo.

O que vocês acham que o Disclosure vai acabar fazendo em relação a esse processo?
BP:
O Disclosure tem a obra editada pela Universal Music Publishing Group, então eu esperaria que a Universal faça a defesa contra a alegação das Sra. Sopher. Isso seria então colocado nas mãos dos advogados da Universal. Creio que a Universal será bastante atuante na defesa de seus compositores e de seus próprios interesses nas músicas do Disclosure.

AL:  Artistas e selos normalmente colocam seus advogados para negociar quem seria o responsável por questões de infração de direitos autorais, limpezas de sample e coisas dessa natureza. Alguns selos possuem também seguro de responsabilidade para se proteger contra erros e omissões que resultem em infrações de propriedade intelectual.

É basicamente impossível que compositores desconhecidos sejam pagos se artistas maiores roubarem as ideias deles?
AL:
De jeito nenhum, depende do quão bem você mantém os seus registros. Se você mantém seus registros em um caderno não datado, todo arranhado, bem, até onde sabemos você poderia ter escrito essas letras ontem depois de ouvir a música no rádio. Mas se você mantiver registros apropriados e puder mostrar que a data de criação precede a da outra parte, isso ajuda. Mas não é o único fator decisivo. Acesso é um outro fator. Se você tem provas de que alguém roubou o seu trabalho e o repassou para um terceiro, como o Disclosure, a alegação se torna muito mais forte.

BP: É importante notar que – e isso pode surpreender algumas pessoas – não há direito autoral sobre uma ideia. O direito autoral subsiste apenas na expressão de uma ideia. Se o trabalho original de um compositor for demonstravelmente copiado por outro compositor, então há uma alegação a ser feita. Se um ou outro compositor é estabelecido ou não, não é realmente relevante, exceto pelo fato de que um pode ter mais recursos à disposição do que o outro. Se um compositor menos estabelecido for lesado e não tiver dinheiro para financiar uma representação legal, ainda é possível encontrar alguém que compre a briga por ele, mas precisaria haver muito dinheiro em jogo, e a evidência da infração precisaria ser bem convincente. Se o que está no artigo do Daily Mail for um resumo apurado da alegação da Sra. Sopher, eu suspeito que o caso será encarado como espúrio e defendido vigorosamente.

Michelle Lhoop nunca mais vai ouvir “White Noise” da mesma forma – @MichelleLhooq