Adiel, o último dos sem moicanos

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Adiel, o último dos sem moicanos

Promessa do Santos na década de 1990, atacante do Juventus resgata as características do futebol de 25 anos atrás.

Aquela falta de jeita típica de boleiro dos anos 90 na hora do retrato. Foto: Felipe Larozza

Quando surgiu no futebol profissional em 1998, o atacante Adiel, hoje com 35 anos, meteu logo um gol contra o Barcelona. Pouco antes, o atacante havia aparecido como campeão mundial com a seleção brasileira sub-17, ganhado o status de promessa e, para muitos comentaristas, estava na iminência de estourar.

Bem, não é segredo que ele nunca estourou. Ainda assim, Adiel continua na ativa e, com a camisa do Juventus da Mooca, é um dos mais queridos da torcida por causa de sua postura de atleta da década de 1990. Despojado e sem muito jeito para o marketing, ele é uma lembrança viva do tempo em que as camisas eram grandes demais, as chuteiras eram pretas e os jogadores tinham mullets. Cabelinho estilo cacatua e braços cobertos de tatuagem? Nem pensar.

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Nascido em Cubatão, no litoral sul de São Paulo, Adiel é um menino da Vila Belmiro nato — só que sem moicano. Teve duas passagens pelo clube, uma no final da década de 1990 e outra em 2002 — você pode não lembrar, mas ele fez parte daquele elenco que tinha Diego, Robinho, Elano e companhia. Sem espaço no Santos das pedaladas, vagou por categorias de acesso e foi se aventurar no futebol estrangeiro. Mas nada de Europa. Ele construiu sua carreira em países pouco tradicionais no esporte, a exemplo de Kuwait, Japão e China.

Aproveitamos uma tarde em que o boleiro se recuperava de uma lesão muscular para resgatar esse período nostálgico do nosso futebol e entender, por meio da trajetória incomum de Adiel, o que mudou nesses vinte anos no futebol brasileiro.

Aqui no Juventus você caiu nas graças da torcida, né?
Aqui é uma família, mano. Eu não posso reclamar de nada, não. A moral que tenho com a tia da cozinha, com os funcionários daqui. Se dependesse de mim eu terminaria minha carreira aqui. O treinador [Rodrigo Santana] que me trouxe também. Sem palavras. A torcida me dá muita moral.

É uma torcida tradicional.
É, vem o avô, o neto. Tem o canole. Em campo dá pra reparar que rola um movimento na arquibancada por causa do canole?
Em campo nunca reparei porque a adrenalina lá dentro não permite. A minha esposa quando veio pra cá que me contou. Eu não conhecia o canole, ela que me levou um. Pô, comi uma vez. Bagulho gostoso mesmo. Qual foi a coisa mais bizarra que você já ouviu da arquibancada?
Bizarra acho que nada. No máximo só uns 'pede pra cagar e sai'. Semanas atrás a torcida do Juventus fez uma bela homenagem pra você postando aquela sua foto com o Ronaldinho Gaúcho. Como foi isso?
Caraca, os caras são foda. Eu expliquei isso aí: foi um repórter que foi em casa pra fazer uma matéria sobre o gol contra o Barcelona. Ele foi em casa e eu tava mostrando as fotos pra ele. Ele viu a foto com o Ronaldinho e quis publicar, mas tinha a arma. Ele falou que ia cortar a arma e publicar a minha foto com o Ronaldinho só. Ele fez isso, tirou a arma, mas a foto ficou com o cara. Não sei o que aconteceu depois, se alguém viu e pegou. Aí do nada eu tô aqui na Java e meus colegas começaram a me chamar no Whatsapp e pá. Caraca, quando eu vi, malandro, tinha lugar que já tinha mais de 15 mil curtidas. Aí eu tive que explicar. Eu sou cristão, nasci na igreja Assembleia de Deus.

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Mas qual era dessa arma?
A gente tava concentrado no Paraguai e lá é foda: você compra tudo. Aquela arma era de brinquedo. Tá louco que eu estaria na concentração da seleção com uma arma de verdade. Tirei aquela foto pra ser o malandrão, pra ser o cara. Aí o Ronaldinho colou e a gente tirou a foto.

Foi coisa de moleque.
É, tu quer tirar onda. Na seleção a gente aprontava muito. Uma vez fomos pros Estados Unidos, malandro. Tava eu, Matusalém, Giovanni. A gente tava hospedado numa universidade com a seleção de Gana, do México e os americanos. A gente tomava café da manhã, voltava antes de todo mundo no refeitório, tocava o alarme e entrava pro quarto. Mano, chegava polícia e bombeiro. Lá é tudo certinho: tocava o alarme tem que sair todo mundo do prédio e tal. Aí eles tentavam investigar pra saber quem tava fazendo aquilo, mas como não tinha câmera, não tinha nada, a gente jogava a culpa nos caras de Gana. A gente falava. "Deve ser os caras, mano."

Esse rolê pelos Estados Unidos foi curtição pelo jeito.
Demais. Na Disney aprontamos também. A gente cortou a fila e os seguranças pegaram a gente no pulo. Na hora de dar o nome lá cada um deu um nome diferente. A molecada aprontava mesmo, não tem como. A gente com a camisa da seleção queria cortar fila de todo mundo. E você teve uma história famosa no Kuwait também, né?
Ah, Vampeta. Como foi essa fita, o que aconteceu lá?
A gente se reunia na casa dele. A resenha era na casa dele. Ele é um personagem e tanto.
E parceiro demais. Tem uma história lá que é foda. Eu recebia lá, mas não tinha conta no banco. Então eu pegava as doleta, véio, e pá pá pá, guardava no apartamento. Depois eu parei pra pensar e falei: 'Malandro, como eu vou levar esse dinheiro embora?' Aí eu colei nele e falei. 'Peta, malandro'. Eu chamo ele de Peta. 'Velho, como eu vou levar esse dinheiro, mano?' Aí foi quando ele me disse. 'Dá que eu jogo na minha conta, fica comigo e quando você precisar eu deposito'. Dei o dinheiro na mão dele e depois ele me devolveu. Caralho, confiança monstra.
É, ele trouxe pra mim. Pra tu ver. Ele é ponta firme, não tem um cara que fale mal do Vampeta, pô. Mas e a cana dele lá no Kuwait como foi?
É que lá não pode bebida, mano. Mas eles acabaram conhecendo um francês que fazia vinho. Tinha um outro cara que fazia cerveja. Todo lugar tem seus esquemas. A cerveja era boa?
Eu não tomo, mas devia ser porque o cara fazia um galão de Gatorade, mano. Mas os caras prenderam ele em casa?
Não, não. Lá, a gente treinava só à noite porque é muito quente. O treino era sempre 21 horas, mas antes disso, quando a temperatura não estivesse tão alta, a gente ia pra praia jogar futevôlei. Rolava sempre um churrasco e dessa vez ele levou um galãozinho e fez caipirinha, mas bem de boa e tal. Pra quem não bebia tinha as maquininhas lá que você colocava dinheiro e pegava uma Coca-Cola. Nesse dia acabou, peguei meu carro, fui embora e o Vampeta pegou o dele e foi. Mas não sei e o clube dele já tava desconfiado e uns caras a paisana começaram a seguir ele. Aí fodeu.
Ele indo embora e os caras seguindo. Onde ele ia, o carro ia atrás. Ele viu pelo retrovisor que eram dois moleques, parou o carro e foi conversar com os caras pra ver o que era. Era polícia. Ele fala um pouquinho de inglês e tentou desenrolar, mas os caras nem quiseram saber, levaram ele pra delegacia. O Vampeta já tava com moral no país, era famoso. Chegou o chefe de polícia e foi trocar ideia com ele, mas o Vampeta se alterou com o cara. Ele não sabia que aquele era o cara que mandava no país. Fora os sheiks, era esse delegado que mandava no bagulho. O cara até ia passar um pano, mas quando ele subiu o tom o cara, pum, grampeou mesmo. E como você entrou nessa história?
Ele tinha que ligar pra alguém para ajudar e pagar a fiança e pensou logo em mim. Ele me deu um toque aí fui eu e o Márcio Nocrato. Eu tinha que ter celular com foto na época pra poder filmar, malandro. Porque entrei e o Vampeta tava com a carinha na grade e um monte de indiano no fundo. Lá tem muito indiano. Já entrei dando risada, tirando sarro da cara dele. Aí pagamos a fiança e o liberamos. Depois ficou mais um tempo e os caras rescindiram o contrato.

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O Kuwait deve ser um lugar esquisito.
É punk. Tinha sirene direto, fica do lado do Iraque. A sorte é que a gente ficava junto lá. Imagina eu sozinho nesse lugar? Eu ia ficar maluco. Eu dormia 9h da manhã e acordava 17h. É muito quente. Uma noite eu olhei a temperatura dentro do carro e tava marcando 47 ºC e o pior é que lá não venta. É um bafo quente. E pra tu buscar o ar? Mas foi bom, porque eu tinha acabado de sair do Santos, tinha voltado de lesão. Depois que machuquei a tíbia, tomei uma entrada que fiquei um ano e meio parado.

Passou muito perrengue lá?
Com empresário. Os caras são ligeiros. Fiz um contrato de um ano com o clube e o empresário, por fora, fez outro contrato com a firma do Sheik num esquema dos caras. Os caras levaram mó dinheiro, mano. Fui campeão duas vezes, perdi uma final pro time do Vampeta e fiquei em terceiro em outra competição, então eu tinha direito a uns prêmios. Na hora de receber essa grana, os caras me avisaram que eu tinha um contrato de quatro anos com a firma do sheik e lá eles pegam seu passaporte. O papo foi: ou você deixa o prêmio ou a gente fica com seu passaporte. Falei. 'Tá bom, pode ficar com o prêmio', peguei meu passaporte e voltei.

Aí é melhor perder uma grana e voltar, né?
No início eu até queria ficar, mas os caras queriam abaixar meu salário. Aí eu desisti. Mas pra jogar era muito tranquilo. Você só treinava um período e era a noite ainda, o esporte não era profissional e só podiam três atletas profissionais em cada clube. Dois jogavam e o terceiro ficava na arquibancada. Era uma teta pra ganhar dinheiro. Mas ainda bem que eu não fiquei. Fui pro Japão logo em seguida.

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O que mudou no futebol nesses mais de vinte anos em que você joga?
Na base os caras perderam aquele negócio de pegar moleque habilidoso, moleque baixinho, moleque magrinho. Eles focaram no negócio de tamanho e força. Acredito que o futebol do Brasil sofreu uma queda por causa disso mesmo. O cara é grande e corre, beleza. Dá pra jogar. Se fosse assim quem imaginava que o Robinho seria o Robinho? Você planeja mais quanto tempo de bola?
Cara, planejo enquanto os caras falarem: 'pô, ele ainda aguenta jogar'. Se o [Rodrigo] Santana me chamar pra mais um ano eu vou pra mais um ano. Se eu estiver dando resultados dentro de campo, continuo. Se não estiver dando mais eu entro só aqueles 15 minutinhos, 10 minutinhos só pra ajudar o time. Eu vou até onde der.

Você mudou sua característica de jogo nos últimos tempos, né? Está aquele camisa 10 mais clássico.
É, eu jogava mais pelo lado esquerdo. Antes eu ia pra cima pra caramba, toda hora. Se eu pegasse a bola e tocasse pra trás no Santos, o Leão parava o treino e falava: 'não, pra cima. Pra trás tem o time inteiro tocando, o seu diferencial é esse'. Eu tinha pulmão, peito e ia. Aí depois da lesão mais séria que eu tive no Japão mudei minha característica. Estou mais na assistência, não vou muito pra cima, evito muitas divididas e com isso vou me poupando também pra poder jogar mais. De repente caio pro ladinho, pego a bola sem marcação. Que lesão foi essa no joelho?
Tive uma lesão séria nas tíbia dos dois joelhos. Tive que colocar hastes nas duas pernas. Então você apita na porta giratória do banco?
Não, no banco, não, mas no avião quando passava no detector eu tinha que mostrar a perna. De vez em quando apitava.

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Como essas lesões te atrapalharam?
Fiquei um bom tempo parado. Só de lesão se eu contar foram uns cinco seis anos parado. Foram as duas tíbias, coloquei a haste, sem falar as lesões de clube.

É, isso é um bom motivo pra dar uma diminuída no ritmo?
É, com 35 anos você precisa segurar. Tem moleque aí de 20 anos voando e eu vou na malandragem. O cara corre e eu vou só nos atalhos .

Adiel em ação pelo Moleque Travesso. Foto: Ale Viana/Divulgação

E como era a relação com a torcida no Japão? Eu tava vendo um vídeo no YouTube com seus gols e torcida japonesa aplaudia em vez de gritar.
É educação. Por mais que perdia o jogo, dava um tempinho e eles estavam lá pedindo autógrafo, dando presente. É bem diferente. Muitas vezes perdíamos um jogo e, no treino seguinte ,a torcida tava lá te dando presente, flores, frutas. Fruta é caro pra caramba no Japão.

E quase igual aqui, né?
Aqui tu tá jogando e vai bem pra caramba, no outro jogo o cara já frita: 'Ê, malandro. Vamo correr, pô. Tá pensando o quê?' Aqui é fogo, mas eu tava com saudade disso já. Você conseguia trocar ideia lá no Japão?
Eu sabia as besteiras, mas onde eu tava tinha muito brasileiro. Itsuka é uma cidade de fábricas e tinha restaurante brasileiro. Como sou cristão, fazíamos reuniões lá. Eu só vivia com brasileiros. Se fosse um lugar afastado, eu ia ter que me esforçar pra aprender o idioma, mas eu fiquei seis anos no mesmo lugar, nem esquentei pra aprender. E na China?
Lá eu fiquei dois anos em Wuhan. A cidade é muito grande. Acho que já é maior do que Pequim e Xangai. Só construção, malandro. Eu tinha uma visão completamente errada da China, pensava que tinha uma estrutura fraca, que o pessoal só andava de bicicleta. Cheguei lá e é bem diferente disso, coisa de primeiro mundo mesmo.

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Se você fosse pra China agora seria melhor, não?
Ô, a China agora que tá com a pacoteira. Já pagavam legal quando eu joguei lá e era segunda divisão. Pagavam em dólar, imagina agora. O salário dos caras é de um milhão por mês, malandro.

E as desvantagens de morar nesses lugares?
Pra quem almeja uma seleção talvez seja ruim. De resto é de boa. Você foi pela grana?
Fui pela grana e pela oportunidade. Aqui foi complicado para eu ter oportunidade. Eu sabia das minhas qualidades, sabia que eu tinha condições. No futebol muitas vezes você tem capacidade para ser titular de um time e não é. No Santos eu era prata da casa e creio que tinha condições, mas não joguei por quê? Por causa de transações e de muitas outras coisas que envolvem o futebol. Você tem alguma mágoa com o clube?
Não, não tenho. Creio que eu poderia ter jogado mais, mas mágoa não tenho. Depois que saí de lá, fui titular absoluto de todos os times que passei. Fui campeão e deixei minha marca.

Adiel, se recuperando de uma lesão muscular, fala enquanto o seu time treina. Foto: Felipe Larozza/VICE

Como você foi parar no Santos?
Eu tinha feito uma peneira com o Seu Ernesto, mas ele faleceu pouco tempo depois. Eu passei ele queria me levar pro Santos, mas como eu estudava acabei não indo e deixei meio de lado. Depois o Manuel Maria acabou assumindo e foi lá em Cubatão atrás de mim e me carregou pro Santos. Eu tinha 13 anos.

E em que posição você jogava no futsal?
Na ala esquerda.

E quando foi pro campo já foi lá pro ataque?
Não, eu jogava na meia. Aí com o [Emerson] Leão eu comecei a jogar como terceiro ou quarto homem do ataque.

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Que é mais ou menos a posição que joga o Ronaldinho, Neymar…
Isso, que o Robinho depois começou a jogar.

E quem reparou que você tinha talento?
Era meio geral. Sempre joguei com os caras mais velhos e nas brincadeiras os caras já falavam: 'caraca, esse moleque é diferente.'

Na escola então você devia ser o primeiro a ser escolhido.
Na escola eu não gostava de jogar futebol, jogava outros esportes. Vôlei, basquete, ping-pong. Nos jogos colegiais eu não jogava futebol.

Como era a sua casa, a sua família?
Eles sempre me apoiaram. Eu tenho três irmãs. Duas mais velhas e uma caçula. Eu era meio preguiçoso, no começo da carreira eu saía 5h30 da manhã pra pegar o ônibus 6h na avenida. Chegou uma época que eu até queria largar. Eu pegava dois ônibus pra treinar. Meu pai ficou triste e minha mãe veio falar pra mim que ele não queria que eu fosse igual ele, marceneiro.

Seu pai era jogador frustrado?
Não, o único jogador da minha família sou eu. É engraçado. Meu pai veio de Recife e não torcia pra ninguém. Minha mãe também não. E o primeiro time que você torceu na vida?
Foi o Santos por causa dos meus tios. Você estudou até que série?
Eu terminei os meus estudos [ensino médio] direitinho. Você é um menino da Vila legítimo?
Fui campeão de 2002, tô lá no quadro.

Pô, seu primeiro gol como profissional foi contra o Barcelona, em 2008. Que responsa.
É mesmo. No Santos eu não fiz muitos gols, foram só três, mas esse aí que marcou mais. Onde foram os outros dois?
Fiz um contra um time da Coreia e um no Maranhão. Até lembro de todos. Como foram suas duas passagens pelo Santos?
Em 1998 eu tava em ascensão, tinha acabado de voltar da seleção sub-17, tinha sido campeão mundial e quando eu subi, fui com muita moral. Era promessa e aquilo tudo, mas eu machuquei a tíbia e tive que ficar um ano parado. Nesse período mudou a diretoria, saiu o [Samir] Abdul-Hak e entrou o Marcelo Teixeira e deu aquele giro. Perdi espaço, fui emprestado para o Japão em 2000. Os caras me queriam lá, mas não me venderam, voltei em 2002 e fui emprestado para o Taubaté para jogar a A3. Aí você voltou pro Santos logo, né?
Sabe o que aconteceu? O Leão assumiu e me falou. 'Adiel, eu tenho oito nomes aqui, o único que eu quero é você'. Eu acabei voltando e fui campeão brasileiro em 2002. Mas imagina se não volta o Leão? Eu estaria rodando essas séries de acesso. Por que você não permaneceu naquele elenco?
É aquilo, tem esse negócio de diretorias, mudanças. Pra mim foi complicado. Quando voltei em 2002 eu já não tinha espaço: era a geração do Diego, Robinho, subiram um monte de jogadores da base. Na minha época subiu eu, depois o Rodrigão, depois o Fumagali, subia de um em um. Em 2000 subiram o time todo da base. O Santos era mais complicado antigamente. Eram os caras mais velhos, os caras que tavam quase parando iam pro Santos. Eu joguei com Zetti, Ronaldão, Márcio Santos. Peguei os caras do tetra, malandro.

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Barbichinha fininha, marca registrada desde os tempos de Japão. Foto: Felipe Larozza/VICE

O que muda do torcedor japonês pro chinês?
O chinês é meio maloqueiro. É que nem no Brasil, é que tu não entende a língua, mas o povo chinês é mais parecido com o brasileiro. Os caras querem ir no shopping sem camisa, pô, vai de pijama. O shopping top e os caras cospem em qualquer lugar. É a cultura deles, falam alto pra caralho, parece que estão discutindo, mano. Eles conversando entre eles parece que o pau tá comendo, mas é só conversa de boa. Só loucura. A torcida xinga também, faz palhaçada. O japonês, não. Acabou eles limpam tudo, saem organizados. Culturalmente você ficou mais impressionado com a China então.
Na China, malandro, é loucura. Você tá no restaurante os caras cospem, é a cultura deles. O cara passa do seu lado e peida alto, peida alto no elevador. Não tão nem aí. Pra eles isso aí é educação, o que tá pra sair não tem problema. Uma vez na preleção de um jogo o treinador mandou um PAAAAAAA e ninguém nem reagiu. Os brasileiros tudo rindo. Cara, como assim você tá na preleção e o treinador dá um peido do nada e não tá nem aí? Pra eles isso é normal.

O futebol no Japão deu uma diminuída na grana, né?
É, isso rolou depois do tsunami. Eu tava lá quando rolou. Sério? Como foi?
A rua lá parecia mola, malandro. Fui o primeiro a descer do prédio. Onde eu tava, em Hiratsuka (cidade há uma hora de Tóquio), deu 5 pontos, imagina o lugar que deu 9? Mas lá não é normal ter tremor?
É, tinha vez que tremia um pouco e parava. Dessa vez não.

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Como foi?
Eu tava em casa de shortinho e regatinha deitado na cama no computador. Tava bem frio e eu tava com o ar condicionado ligado. Cara, começou a tremer bem forte e não parava. Eu levantei, mano. Deixei o computador na cama e corri pra corredor e não parava. Eu saí de casa descalço, de regata e short. Eu desci as escadas quase caindo, batendo nas paredes. Eles falam que não é pra fazer isso, que é pra ficar embaixo de mesa e tal, mas na hora eu nem pensei. Fiquei lá embaixo, do lado do carro. Os japoneses me viram e começaram a gritar "Adiero". Eles me chamavam de Adiero. E desceu todo mundo.

Mas e na rua?
Pô, tinha um ônibus parado e ele tava quase tombando, as ruas pareciam molas. Foi a pior coisa que já peguei. Fiquei piscando. O pior é que eu fiquei também com medo da radiação, porque eu tava a 300 quilômetros de Sendai (cidade que teve um desastre radioativo durante o tsunami). Eu queria vir embora pra falar que eu tô bem, mas o clube queria que eu viesse pra cá um dia, falasse que tava bem e voltasse pra lá. Tá de brincadeira. Tive que ficar em casa, fechei tudo e passei quase uma semana sem sair de casa.

Todo mundo ficou em casa?
Estrangeiro ficou com mais medo, os japoneses nem tanto. O problema é que acabou a água, eu tinha que pegar no clube. O abastecimento no mercado estava escasso. Rachou muita pista, essas coisas. Foi punk, malandro. O que você aprendeu com essas passagens pelo Oriente?
As leis nos dois países são mais rigorosas. Voce inevitavelmente volta mais tranquilão, mais cabeça. Por exemplo, no trânsito. Você dá passagem pro pedestre, tenta se estressar menos.

Arquibancada branca e grená da Mooca. Foto: Felipe Larozza/VICE

Você passou alguma roubada com idioma?
Cara, os caras que reclamam não tem o que reclamar. Se você tem dinheiro, você não precisa falar, mano. Tu quer o negócio, quer comprar, quer comer é só apontar a foto, apontar pro negócio. Com dinheiro você faz tudo. No Japão eu andava de carro, não precisava falar nada de japonês e, quando complicava, eu ligava pro intérprete, passava o telefone e ele explicava. E comida?
Mano, isso é outra coisa que não dá pra reclamar. Os caras que reclamam que não se adaptaram é migué, é porque o cara não foi bem. É impossível você não se adaptar tendo de tudo. Na China tem KFC, tem Mc Donald's, tem massa e você vai reclamar de comer? Mas e o velho papo do feijão?
Ah, feijão é bom pra caramba, te dá força, mas você não vai comer uma massa? Não vai comer um arroz com bife e uma batatinha? Claro que come. Nem sente muita falta. Tudo bem que, quando a família vai, leva, mas se não tiver, você vai sobreviver do mesmo jeito. Nessas andanças você conseguiu fazer seu pé-de-meia?
Cara, graças a Deus eu não posso reclamar. Por mais que eu não tenha aparecido muito aqui no Brasil, posso falar que eu ajudei minha família. Ajudei minhas três irmãs, minha mãe. Hoje tenho minha casa própria, deu pra comprar uns negócios. Não tenho do que reclamar. Não ganhei milhões que nem os caras, mas também não gastei que nem os caras. Se você guarda, vive só do bicho e investe seu dinheiro, você vai se dar bem. Se você for jogar fora do país e não comprou nada é porque não quis. A gente tem que pensar é no depois e não no presente. É uma carreira muito curta, né?
Se você pensa só no presente, você vai querer carro bom, vai trocar de carro que nem troca de roupa. Não, mano, a gente tem que pensar no depois. Tem que fazer isso quando parar. Se eu tivesse tido mais essa cabeça, creio que teria muito mais do que eu tenho hoje, mas eu também não posso reclamar, tenho minhas condições. Posso pagar uma escola boa pras minhas filhas, pago minhas contas. Não posso reclamar.

Aquele sorrisão perto de onde o tio vende os canoles. Foto: Felipe Larozza/VICE

A realidade do futebol não é milionária, né?
Na época que eu subi para o time profissional do Santos, eu ganhava 1500 reais, velho. Quando fui renovar o diretor chegou pra mim e falou: 'Adiel, vou te dar 100%'. Pô, 100% eu ia ganhar 3 conto, malandro. Pensei que ia ganhar mais, mas naquela época não pagava muito mesmo. Agora tá diferente, qualquer um de time grande tá ganhando muito dinheiro. Você acha que faltou um bom empresário pra você?
Não posso reclamar disso também. Fui pro exterior sem empresário. O cara me vê jogando e gostou, trabalho com ele. Acabou ali, outro me vê e gosta? Trabalho com o cara. Peguei uns empresários que eram muito de conversinha. O meu primeiro empresário, o Manoel Maria, era bom, não posso reclamar dele, ele me ajudou na base pra caramba, mas eu tive outro que me complicou. Quando saí do Santos em 2003 ele me disse que os caras não queriam renovar comigo, mas eu não estava na reunião. Pode ser até que os caras quisessem, mas ele pensou em me tirar pra pegar a porcentagem que o clube tava devendo e tirar o dele. Aí depois disso fiquei sem empresário. Trabalhei com o [Constantin] Teo, que é empresário do Hulk e depois com mais ninguém. Quem me leva é o empresário.

Você falou que vai jogar até quando der. Mas e depois?
Cabeça de jogador é complicada. Eu fiquei parado em 2014, quando voltei da China. Queria pegar um negócio com um salário legalzinho, um negócio bom, mas aparecia coisa pra ganhar 8 conto, 10 conto. Você com a cabeça de fora pensa que não é nada, mas depois que você cai na realidade do Brasil percebe que errou. Tinha que ter ido. Se você pega 8 mil, 10 mil reais é um salário do caramba.