Não há lugar melhor do que a cadeira da barbearia para discutir qual restaurante faz a melhor pizza portuguesa da região ou como é a vida de um homem depois do término do casamento. Misturadas com a realidade da periferia, cenas do cotidiano desses pequenos e simples salões pautam o longa-metragem Deixa na Régua, do cineasta Emílio Domingos, que estreia na terça (4) no Festival do Rio. Posteriormente, o filme ganha exibição na 40º Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, que começa no dia 20 do mesmo mês.
Cientista social por formação, o diretor carioca de 44 anos ganhou notoriedade com o trabalho anterior, o longa independente A Batalha do Passinho, que, além de ser exibido em mais de 20 países pelo mundo, ganhou menção até no The New York Times.
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Domingos aposta no cinema direto, cru e sem firula, fazendo com que Deixa na Régua seja uma experiência antropológica e uma viagem imersiva num universo específico: o de homens e meninos que moram nas periferias e nos subúrbios do Rio de Janeiro.
Como num Big Brother particular, o espectador assiste aos três barbeiros retratados, Belo, Deivão e Ed, e seus respectivos clientes levando todo tipo de prosa. “Semana passada fui pro baile cabeludão, barba grande. Fiquei como? Oprimidão no baile”, lamenta um sujeito entregue às tesouras, com toda a indignação, ginga, fúria e boladez do verdadeiro e legítimo sotaque carioca.
Semana passada fui pro baile cabeludão, barba grande. Fiquei como? Oprimidão no baile.
Filmado com uma câmera só durante quatro meses na zona norte do Rio, o longa surgiu depois que Domingos reparou na quantidade de pessoas esperando dentro das barbearias de bairros pobres. Ele explica melhor: “Aquele cortes e estéticas precisam de detalhes. O barbeiro demora um tempo pra fazer. O que gera filas, abrindo espaço pra sociabilidade, troca de ideias. Achei que aquilo ali daria um filme.” E deu.

Foto: Divulgação
Na toada híbrida de humor e realidade, que em vários momentos escancara várias feridas dos guetos cariocas, uma das cenas traz o barbeiro Ed alertando seu próprio freguês: “Pra muita gente, isso aqui é corte de ladrão, de favelado. Mas, na nossa visão, é diferente”, declara enquanto segura a máquina.
Pra muita gente, isso aqui é corte de ladrão, de favelado. Mas, na nossa visão, é diferente
Gravidez precoce, racismo, baile funk. Durante o filme, todo tipo de conversa aparece. “Quanto tá uma pistola? R$ 2.500?”, questiona um dos clientes para seus amigos, que passam a analisar minuciosamente outras armas.

O diretor Emílio Domingos (de camisa branca) durante as filmagens de ‘Deixa na Régua’. Foto: Divulgação
Financiado com verba de edital e ajuda da Lei Rouanet, o filme traz à tona o funk, que, apesar de ser um gênero bastante popular, tem suas raízes na contracultura. Com ele, o modus operandi da vida na periferia ganhou brilho. Virou arte. Ainda que esteja atrelado à violência. “As pessoas têm preconceito com os meus temas”, lamenta Domingos. “O samba sofreu no início do século 20 e o funk vem sofrendo há muito tempo. Existe uma visão muito preconceituosa.”
Veja abaixo a estreia e datas de exibição de Deixa na Régua.
No Rio de Janeiro:
09/10 – Roxy 3 – 20h15 (Sessão para convidados)
10/10 – CCBB – Cinema 1 – 16h (Sessão com debate)
11/10 – Cine Joia – 14h00 15/10 – Ponto Cine – 14h00
Em São Paulo:
40º Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
De 20 de outubro a 2 de novembro (a data de exibição do filme ainda não foi confirmada)
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