Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK .
A internet é bizarra nessa coisa de fornecer um registro semipermanente do seu estado mental. Veja por exemplo esta matéria da VICE sobre a relação entre jornalistas e bebida, na qual eu disse: “Fora alguma grande farra ocasional, geralmente só bebo uns dois drinques”. Eu também disse “Quando for rica e famosa, talvez eu volte a vomitar nos sapatos dos pedestres. Até lá.” Agora, em julho de 2017, posso não ser rica e famosa (ainda), mas estou num emprego de período integral que paga em libras britânicas de verdade, minha saúde mental está melhor que nunca e estou solteira. Combine esses fatores e você vai entender por que estou rindo de ter dito “uns dois drinques”. Bebo mais que qualquer homem. Estou no auge em 2017.
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Minha cura pra ressaca é tão boa que eu devia patenteá-la. Sério, a gente pode sair na porrada se você acha que tem algo melhor que a seguinte fórmula: primeiro um café preto bem forte, uma banana e uma aspirina. Mais tarde no dia: uma Coca Diet ou duas, depois, assim que possível, mais álcool. E toda a água que você conseguir tomar.
Dito isso, não tenho acesso a todas as curas de ressaca do mundo nas manhãs de sábado. Talvez a cura burguesa perfeita para ressaca seja mesmo ficar boiando na piscina no topo do Shoreditch House tomando Bloody Marys. Tentando descobrir se o dinheiro pode mesmo comprar felicidade, e para testar se tem algo melhor que minha fórmula preferida, durante algumas semanas experimentei as curas de ressaca favoritas da playboyzada.
TOMAR SORO
A Ressaca
O Glastonbury acabou e para te dar uma ideia do meu estado emocional, chorei sobre as seguintes coisas em rápida sucessão: uma infiltração em cima da minha privada; ouvindo “Hero” do Foo Fighters indo para o McDonald’s, pausando a música numa tentativa de parar de chorar, chorando mais ainda; por derrubar sem querer os cremes da minha prateleira; no chuveiro tendo uma pequena crise existencial, que virou um ataque de pânico molhado, enquanto pensava que os humanos nascem sozinhos e morrem sozinhos; porque minha balconista favorita da padaria aqui perto, uma mulher de meia idade que usa gloss e está sempre sorridente, me chamou de “babe”; assistindo vídeos de animais fofos. Estou tão desesperada que sinto que minha alma está sendo sugada lentamente pelo meu cu. Eu realmente estava com medo de ter quebrado meu cérebro e agora, como se um bandido tivesse puxado uma alavanca, o trem das minhas sinapses estava numa jornada selvagem pelo meu córtex e só a loucura restou. Estou destruída. Eu sofro.
A Cura
O que você fez em Glastonbury, hein?
Dois caras simpáticos de uniforme vieram para o escritório com um monte de equipamentos. Dois outros voluntários ouviram a oferta da minha cura rápida de rico e se juntaram a mim. Nos sentamos lá e contamos pros caras tudo que tínhamos colocado nos nossos corpos, e eles só fizeram que sim com a cabeça sem julgamento e mediram nossos sinais vitais. Quando os médicos enfiaram as agulhas nos nossos braços, fechei os olhos.
“Esse é o barato”, disse outra mina que tinha se voluntariado, a Sienna. “Não”, respondeu o homem, pendurando meu soro numa base improvisada. “Esse é o antibarato”.
O soro contém paracetamol, cetorolaco de trometamina, ondansetrona e solução de sódio lactate. Tudo isso deveria me reidratar, ser anti-inflamatório e me fazer parar de querer vomitar. Mesmo não prometendo que eu pararia de chorar, os médicos me disseram que me sentir fisicamente melhor me ajudaria mentalmente. Senti a solução se espalhando pelas minhas veias como um shower gel de menta. As bolsas eram enormes, e não achei que aquele líquido todo caberia no meu corpo encolhido, mas coube.
No final, eles acrescentam um pouco de magnésio. Não sei exatamente como, porque estava ocupada fazendo uns stories para o Instagram. De repente senti uma queimação no peito. “É normal sentir que seu peito vai explodir e uma fênix vai sair dele?”, perguntei a um dos caras. “Sim”, ele me confortou. “Você está com falta de vitaminas e minerais.”
E Deu Certo?
Aquela sensação de me sentir foda, por estar recebendo tratamento particular de um médico no trabalho, durante o expediente, me deixou um pouco menos triste. Muita gente curtiu meus stories no Instagram também. Mas foi na manhã seguinte que a mágica realmente aconteceu. Acordei — ainda me sentindo miserável, claro — mas sem dor de cabeça, sem enjoo. Na verdade, me senti melhor fisicamente do que me sentia em muito tempo. Se eu tivesse £100 [cerca de R$ 400] pra torrar algumas vezes por semana nisso, pode ter certeza que eu torraria. 9/10
SMOOTHIE VERDE, LATTE DE CARVÃO ATIVADO E OUTRAS COMIDAS SAUDÁVEIS SEM GRAÇA
A Ressaca
Você sempre acha que não vai acabar bebendo sozinha, aí, quando você se dá conta, já tomou quatro cervejas assistindo um episódio atrás do outro de Peep Show, e esqueceu que tinha que ficar acordada até as 2 da manhã para deixar seu irmão mais novo — que acabou de voltar da Lituânia depois de encontrar a namorada que conheceu pelo World of Warcraft — entrar em casa. Você acorda ao lado de um adolescente de 18 anos suado, com uma ressaca que parece não merecida e que só piora quando seu irmão te dá um soco no peito porque você acidentalmente perguntou quais são os costumes na Letônia, simplesmente confundindo um país do Leste Europeu com outro. Aí você vai para a terapia e passa uma hora tentando não chorar, o que só piora sua dor de cabeça. Essa é uma ressaca tingida de vergonha.
A Cura
Você acha de tudo na Selfridges — uma loja de departamentos bem tory. Agora você pode desfrutar de uma taça de champanhe sem açúcar acompanhada de kimchi, enquanto compra sua caçarola Le Creuset e uma mochila da Hugo Boss pro seu filho, porque as irmãs Hemsley abriram um café lá batizado fofamente de Hemsley + Hemsley.
Eu esperava que tudo fosse vegan e eu estaria segura, mas acontece que eu não podia comer muita coisa do cardápio. Optei por um smoothie “Go to Green”, granola Buckwheat com frutinhas frescas e um “latte de carvão ativado”. Todo mundo ao meu redor era naturalmente bronzeado, magro e lindo, e provavelmente não tinha uma ressaca para curar. Essa comida não era para mim, mas comi tudo mesmo assim.
O smoothie estava OK — só um monte de vegetais líquidos — nada de especial. Não sei como eles conseguiram deixar a granola com gosto de cavaco de madeira, mas acho que é isso que acontece quando a comida não tem nada dentro dela. Já o latte. Muito louco. Ele parecia um cálice de tinta de caneta prateada. Dei um pouquinho para nossa estagiária, Ruchira, experimentar, e ela deu um pulo. “É a sensação mais estranha do mundo…”, murmurou ela, olhando para o nada. “Você fica esperando o gosto e aí… não vem nada.” Tomei um gole e confirmei — tinha uma textura ali, mas nenhum gosto, fragrância ou sensação discerníveis. Magia negra. No final, me senti cheia porque tenho aquela doença que diz que você tem que comer tudo no seu prato, mesmo se estiver ruim e seu corpo não aguentar mais — ESPECIALMENTE se você pagou mais de £20 [cerca de R$ 80] por ele — e ainda assim era como se eu não tivesse comido nada. Nenhum retrogosto, nenhuma alegria, nada.
E Deu Certo?
Para chegar ao café da Hemsley + Hemsley você tem que passar pela seção de lingerie e biquínis da loja; obviamente um truque subliminar para te transportar para o País das Maravilhas do fitness, uma preliminar leve antes de um fistfucking com farinha de coco. Isso só piorou minha ressaca moral, o que só piorou com o café parecendo um saguão de aeroporto minimalista tocando música pop de elevador. Saí de lá sentindo medo de perder o recibo de todo esse trigo sarraceno e não me reembolsarem na firma. A água grátis que me serviram na mesa provavelmente foi a coisa mais efetiva para me livrar dos meus pecados. Não, isso é um estilo de vida, não uma cura para ressaca. 2/10
SPA DE UM DIA NO PAÍS DE GALES
A Ressaca
Imagine que, num dos dias mais quentes do verão, você decide ser mão de vaca e compra uma passagem de ônibus na hora do rush de sexta de Londres para Cardiff em vez de pegar o trem. Você chega na rodoviária destruída e com um humor similar àquele do Titanic quando as pessoas começam a brigar pelos botes salva-vidas. Em minutos você testemunha um senhor dar uma palmada forte demais na bunda do filho, alguém olhando muito para um saco de vômito e várias tupperware sombrias ameaçando todo tipo de cheiro assim que você entra no ônibus. Chegando em Cardiff, cinco horas depois, por causa do trânsito, você é recebida pela sua família com grandes taças de Prosecco. Você entorna uma taça atrás da outra porque sua tia diz que tem muito mais na geladeira. Você acaba apagando depois de duas horas e um desentendimento de leve com a sua mãe. Você vai pra cama já de ressaca. Você acorda, como já era de se esperar, parecendo que lambeu um gato e com a cabeça estourando.
A Cura
Felizmente, eu estava em Cardiff para um dia de spa em comemoração ao aniversário de 21 anos da minha prima. Aposto que é isso que as tias do Loose Women fazem quando estão de ressaca. Está tão quente no café/sala de espera/loja de lembranças que quase vomito ao sentir o cheiro de uma vela perfumada, então não foi um bom começo. Mas depois que coloco um robe e pantufas macias de hotel, me levam para o “escc”, que minha prima de Gales informa que não tem uma tradução literal, mas significa algo como “espaço seguro/calmo/confortável”. Com iluminação suave e trilha sonora new age, o escc é tipo voltar ao útero. Tomo lentamente meu latte de avelã em paz com pensamentos abstratos sobre a morte. É assim que você sabe que a sua ressaca não é tão ruim assim.
Infelizmente, não consegui usar a sauna porque o calor me deixava enjoada, mas fiz massagem facial. Caí no sono alguns minutos depois que a mulher começou a massagear meu peito e ombros, estava muito cansada, sentindo falta de intimidade e conforto. Acordei uma hora depois, com calor e pegajosa, com mau jeito no pescoço e a dor de cabeça duas vezes pior. “Beba muita água”, a moça me disse. Bebi. Me senti um pouco melhor. De novo, é isso mesmo, só água?
E Deu Certo?
Horas depois, eu estava dançando até o chão ouvindo The Killers tocar “The Man” com uma cerveja na mão. 7/10
“LIMONATA” SAN PELLEGRINO E BOMBONS DE AMEIXA
A Ressaca
Essa rodada começou com uma ida solo ao cinema. Conta como beber sozinha quando você está cercada de pessoas que podem ou não ser compatíveis o suficiente com você para serem suas amigas numa outra vida? Conta sim. Não se dê essa desculpa. Continuei bebendo em casa com uma amiga e vamos esclarecer que aquele ditado “cerveja depois vinho, você acorda novinho” é ficção. Essa é uma ressaca que parece o ápice de semanas e meses de devassidão. Um pouco sem vida. Uma dor de cabeça chata. A aquela sensação de que você não quer comer nada e considerando comer tudo que vir pela frente ao mesmo tempo.
A Cura
Todo tory que conheci na vida ama levar essa lata amarelo-canário e azul-bebê à boca e dizer “É. UMA. DELÍCIA.” Todo carinha que mora no segundo flat dos pais em Londres dispensa uma lata de Coca Diet, te dizendo que não é San Pellegrino. “Meu Deus”, eles gritam na loja de conveniência quando você está de ressaca e tentando pegar uma Sprite. “Limonata é A Cura para ressaca. Te juro.” A “Limonata” da San Pellegrino é uma soda limonada açucarada, tipo um 7UP de terno. Ela vem com um balde de açúcar mas como a marca é famosinha, vendida na Waitrose mas não na Tesco, os ricos acham que ela é diferente das outras sodas. Vou te dizer uma coisa, “Limonata” é superestimada. Eu não gosto. Mas vendo todos esses coxinhas dizendo que essa é a cura, comprei uma lata. Lembro de uma garota com quem fiz faculdade, o pai dela tinha inventado um negócio muito famoso — não posso contar o que porque acho que seria antiético — e ela sempre comprava bombons de ameixa quando tinha exagerado na Grey Goose. Então fui até uma loja de produtos naturais e comprei uma caixa de bombons caros deles.
Limonata horrível. Doce horrível — os bombons são duros, fibrosos e cheios de caroços fora o caroço mesmo, então nunca sei o que estou realmente engolindo. O doce doentiamente doce acompanhado da soda também doentiamente doce.
E Deu Certo?
Claro que não. 1/10
Nada supera a minha cura para ressaca. Nenhuma dessas atividades ou bebidas e comidas caras chegaram perto. Para todos esses hunos do Centro de Londres – com sua segurança financeira, sua estabilidade, sua casa no Soho e seu San Pellegrino; foda-se: tenho meu café coado e a banana que me dão de graça no trabalho. E no final das contas, somos só sacos de carne com dor de cabeça e uma sensação de culpa iguaizinhos a vocês.
Tradução: Marina Schnoor