Em 2017, a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) realizou o “batismo” de aproximadamente dois mil criminosos, somente na Zona Leste de São Paulo. Isso é o que indicam fichas de cadastro apreendidas pela 4º DP de Guarulhos (Grande São Paulo) e as quais a VICE teve acesso exclusivo.
Saca só como estes documentos foram parar nas mãos da Polícia Civil:
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Dez dias após a Operação Inconfidência, policiais da 4º DP rumaram para a casa de Edilson Cavalcante de Lima, o “Bibis”, um liderança do PCC na região. A ideia era cumprir um mandado de prisão contra ele, mas o criminoso não estava no local.
No entanto, dois homens foram presos na casa dele, no bairro Cidade Líder, Zona Leste de São Paulo. No imóvel, foram apreendidas armas e duas chaves de carro. Investigadores acionaram os controles de alarme dos veículos e descobriram que os carangos estavam estacionados um na casa à frente da de Bibis e outro na rua onde mora o, agora, foragido da justiça.
Na residência onde um dos carros estava, um sobrado de dois andares, deixaram os policiais civis entrarem, informou o delegado Fernando Santiago, que é o responsável por uma investigação sobre o PCC – há mais de um ano – que desencadeou na ação aqui descrita.
Instantes após entrarem na residência, os policiais civis perceberam que um homem jogava por uma janela, no segundo andar da casa, drogas e também documentos. Ao todo foram apreendidos 11 tijolos de maconha, quase 16 quilos de cocaína, dois pés de maconha, nove celulares, quatro rádios comunicadores, uma espingarda calibre 12, uma pistola nove milímetros, duas pistolas calibre .40, 47 munições, um revólver calibre 32 e as fichas de “batismo” do PCC. Além do mano que tentou se desfazer da treta toda, outros dois foram presos.
Por dentro dos papeis do crime
Os papeis apreendidos aumentaram o inquérito de Santiago, que é composto por documentos do PCC como atas de “julgamentos”, realizados pelos tribunais do crime, contabilidade, em que são informados os pagamentos de mensalidade, conhecida como cebola, além informações sobre rifas, também usadas como forma de captação de dinheiro.
O delegado disse à VICE que a maioria das fichas de batismo apreendidas são de novos membros, mas que em grande parte contam com um histórico “sem moral” dentro do crime. “Averiguando os criminosos (batizados) nos chamou a atenção que não são marginais de muita ‘reputação’, não são pessoas de destaque (no mundo do crime). Inclusive tem aí ladrões de carreira pouco relevante. Chamou a atenção que, em muitos destes casos, havia escrito na ficha a palavra ‘fortalecimento’. Essa palavra significa justamente angariar o maior número de pessoas para fortalecer a organização.”
O propósito do fortalecimento, segundo Santiago, é inchar o contingente de criminosos, para expandir o PCC. Para que isso ocorra, estão batizando novos membros “com menos burocracia”. O delegado explicou que, antes do fortalecimento, para que um criminoso entrasse na facção, ele precisaria ser indicado por um padrinho, que também poderia ser responsabilizado pelo partido caso seu afilhado cometesse alguma falha ao desrespeitar regras internas da organização. Ou seja, todo cuidado era pouco para indicar um novo membro. Mas a coisa está mudando, segundo documentos da própria facção. “O PCC ainda mantém os trâmites para realizar os batismos, mas de uma forma mais simplificada (no momento)”, destacou Santiago.
A VICE questionou o delegado se a facilitação para o ingresso na facção estaria sendo feita para aumentar o número de soldados para uma guerra, que já estaria em andamento, entre o PCC e organizações criminosas rivais. Santiago afirmou que este seria um dos objetivos do “fortalecimento”, além do PCC também angariar mais recursos financeiros mediante o pagamento da cebola, que é um dos braços financeiros da organização – uma mensalidade paga de acordo com o posto de cada membro do partido do crime. “Batizando mais membros, a facção acaba fazendo jus à palavra fortalecimento, pois acaba fortalecendo financeiramente também a quadrilha”, disse.
Fichas de filiação
A reportagem teve acesso a algumas das fichas de batismo do PCC. É nítida a diferença de preenchimento em um documento de filiação “tradicional” em comparação ao de um batismo de “fortalecimento”.
No primeiro caso há um cabeçalho informando de onde partiu o salve. Também há no documento os dados detalhados de dois padrinhos (como nome, vulgo, onde ficaram presos, etc) e informações, também detalhadas, sobre o novo membro do PCC, agora afilhado. Já dois documentos de “fortalecimento” verificados pela VICE eram compostos de cabeçalho. Em uma das fichas há somente o vulgo dos padrinhos e dados detalhados sobre o afilhado. Na outra, o espaço dedicado aos padrinhos está em branco e, no pé da página, há informações detalhadas sobre o novo membro da facção.
Os documentos de fortalecimento são preenchidos com muito menos critério do que as fichas tradicionais da facção.
Racha entre PCC e Comando Vermelho e o começo da guerra
O tráfico de drogas na cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, fronteira com o Mato Grosso do Sul, era comandada por Jorge Rafaat, conhecido como “o rei da fronteira”. Essa condição se manteve até que ele bateu de frente com o PCC e com o Comando Vermelho (CV). O chefão paraguaio despachava drogas para a África e Europa, mas uma grande apreensão fez com que ele perdesse muita cocaína. Por isso, ele mirou seus interesses “comerciais” no Brasil – o que teria desagradado ao PCC e ao CV, até então, aliados.
Após uma tentativa frustrada, as duas facções brasileiras finalmente conseguiram, em 15 de junho de 2016, matar o rival paraguaio. Aos 56 anos, Rafaat foi morto com 16 tiros, quase todos na cabeça, provenientes de um fuzil calibre .50, usado para derrubar aeronaves de pequeno porte. Com a morte dele, PCC e CV expandiram ainda mais as fronteiras de seus negócios ilegais.
Porém, a relação dos criminosos paulistas e cariocas ficou abalada. Antes, ambas despachavam carregamentos de droga da fronteira em um mesmo veículo, que descarregava a parte do PCC em São Paulo e, depois, a do CV no Rio de Janeiro. No entanto, após a morte do traficante paraguaio, por algum motivo desconhecido, ambas as organizações romperam relações, desencadeando um banho de sangue nos presídios brasileiros. Atualmente, as duas facções são rivais.
Segundo um suposto estatuto do PCC, divulgado pela imprensa em 2001, a facção enfatiza no parágrafo 16 do documento sua ligação com o CV na ocasião. “Em coligação com o Comando Vermelho – CV e PCC iremos revolucionar o país dentro das prisões e nosso braço armado será o Terror ‘dos Poderosos’ opressores e tiranos que usam o Anexo de Taubaté e o Bangú I do Rio de Janeiro como instrumento de vingança da sociedade na fabricação de monstros”. No final do documento, a organização do Rio de Janeiro é novamente mencionada, ressaltando a “coligação” entre as duas quadrilhas.
Plano de “hegemonia nacional”
A Polícia Civil de Guarulhos recebeu relatórios da cúpula da instituição, feitos pelo seu setor de inteligência, os quais informam que, na maioria das unidades prisionais, membros do CV que sempre dividiam ala e cela com membros do PCC, receberam um ultimato: ou escolhiam se batizar no PCC, ou continuar no CV. No segundo caso, precisaram se distanciar da facção paulista, mudando de presídio.
As investigações ainda apontam que as ações do PCC estão dentro de um plano de “hegemonia nacional”. Segundo levantamento divulgado em agosto de 2016 pelo Centro de Segurança Institucional e Inteligência, do Ministério Público de São Paulo, o PCC conta com afiliados em todos os 26 estados brasileiros, além do Distrito Federal. São 18.773 criminosos contabilizados pelo MP, considerando que não há registros oficiais sobre a totalidade de membros da facção. O estado com o maior número de membros (7 mil) é São Paulo. “Vemos, em algumas apreensões nossas, que o PCC está cadastrando (como fortalecimento) membros em todos os estados”, acrescentou Santiago.
Por conta do aumento de filiados, além da facilitação para se realizar batismos, facções com controle de atividades ilícitas, regionais, se movimentam para tentar impedir a expansão do PCC, que por sua parte revida – geralmente de forma violenta.
O delegado Fernando Santiago revelou que, segundo áudios que compõe sua investigação, membros da Família do Norte – que protagonizou juntamente com o PCC uma carnificina no início e 2017 – estariam em São Paulo.