Música

É impossível não se identificar com o antigo perfil do Skrillex no Myspace

Imagem via Myspace

Este artigo foi publicado originalmente no Noisey UK.

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Os perfis nas redes sociais, hoje em dia, são como peidos: insuportáveis, a menos que sejam os seus próprios. Mas uma década atrás, a história era outra — e muito mais inocente. O único troll que você conhecia era o Grendel, e a consciência de que as nossas fotos de croissants de amêndoas no Instagram, com filtros escolhidos a dedo, que estão aí para todo mundo ver, não existia porque éramos todos pré-pubescentes e toscos, e só havia uma plataforma para compartilhar muito além do necessário sobre a sua vida íntima: MySpace ponto com.

Lançado às vésperas de uma era em que os membros do My Chemical Romance, Fall Out Boy e Brand New eram cultuados com um fervor tradicionalmente reservado às boybands e ao elenco de Harry Potter, o MySpace era a forma mais direta e imediata de interação entre fãs e artistas que você podia ter. Em 2004, ninguém tinha a menor noção do que estava fazendo na internet. Tudo parecia uma boa ideia simplesmente porque era novidade: tratar cada uma das suas fotos no Photoshop e aumentar o contraste a ponto de o seu rosto parecer uma colher com olhos e um piercing no lábio? Essencial. Passar horas customizando um perfil em que as letras de Tell All Your Friends caem em cascata pela página e o cursor é um coração partido? Obviamente. Deixar um comentário no perfil do Pete Wentz informando a ele precisamente quais interesses vocês têm em comum e por que eles são bons motivos para vocês namorarem? Sem dúvida. E o melhor de tudo é que isso era o que as pessoas famosas faziam também. Estávamos todos juntos nessa, cúmplices em nossos questionários desnecessários, escolhas de moda equivocadas e cantadas baratas.

No começo deste ano, revisitamos o perfil da Kesha no MySpace de 2008, e o que descobrimos foi uma verdadeira máquina do tempo para uma existência melhor e mais simples na internet. Da descrição pessoal aos comentários, continha mais afirmações que o Snapchat do DJ Khaled, tudo perigosamente embalado em uma página customizada com cliparts de cifrões. Mas 2008 foi uma época esquisita no MySpace. As pessoas já tinham começado a migrar para o Facebook, a deletar suas fotos por vergonha e a tirar os apliques de cabelo que eram pré-requisito para ter uma conta no site em primeiro lugar. As gravadoras começaram a ver o MySpace como um território propício para achar novos contratados, e as páginas de artistas gradualmente passaram a ser controladas por terceiros. Subitamente, pessoas normais não podiam mais entrar no Top 8 da sua banda preferida. Qual era a graça?

O MySpace sempre foi definido pela exposição pessoal, mas durante o seu verdadeiro ápice, por volta de 2005, a sinceridade era de um tipo mais negativo. A autoconfiança que vimos no perfil da Ke$ha de 2008 ficaria totalmente fora de contexto no cenário da primeira metade dos anos 2000, dominado, na sua maior parte, por uma frágil autoestima e descrições pessoais repletas de letras de vingança pós fim de relacionamento, escritas em Lucida Handwriting. Hoje, vemos o outro lado da moeda brutalmente sincera que era o MySpace através do prisma de um dos poucos ícones dessa era que não só perdurou, mas se libertou: Skrillex.

Tendo adentrado a consciência coletiva inicialmente como Sonny Moore, vocalista do From First To Last entre 2004 e 2006, a relação dele com as redes sociais das antigas era complicada. Sonny Moore era o príncipe do MySpace. Ele praticamente inventou o selfie com a câmera apontada pra baixo. Quero dizer, o disco de estreia da banda se chamava Dear Diary, My Teen Angst Has a Bodycount (uma citação adaptada do filme Atração Mortal, que em tradução livre seria algo como “Querido Diário, Minha Angústia Adolescente Deixou Um Rastro de Mortos”), pelo amor de deus, e “Note To Self” era o hino não-oficial da juventude de coração partido que usava conexão discada. Por anos, a página do From First To Last no MySelf no MySpace autodescreveu a música da banda como “o interior de uma perna mecânica”.

O emo, na sua encarnação do começo para meados dos anos 90, tem sido, na minha modesta opinião, injustamente caluniado pela crítica e ridicularizado por praticamente todo mundo. Sonny Moore foi altamente criticado ao longo dos anos apenas por ser o rosto de uma geração adolescente muito específica e relativamente efêmera, considerada constrangedora por todo mundo que estava de fora. O screamo, os piercings picada de cobra, as mechas platinadas em cabelos pretos: essa foi a nossa geração, nosso legado, e — antes de passar a representar uma forma muito diferente de cultura jovem como Skrillex — Sonny Moore era a face arquetípica dela.

Depois do segundo disco do From First To Last, Heroine, ser lançado em 2006, Sonny deixou a banda. Ele passou por múltiplas cirurgias para reparar os danos inevitavelmente causados às suas cordas vocais e se transformou no Skrillex que todos conhecemos e, por algum motivo, temos dificuldade em aceitar hoje como sendo incrivelmente talentoso.

Embora fosse adolescente na época, Sonny Moore se tornou um nome público muito rapidamente, o que pode explicar o fato dos arquivos da história digital dele serem tão fragmentados. Só restam vestígios dela, e apesar do fato de que elas viverão para sempre em nossa memória coletiva (e na busca de imagens do Google), várias fotos dos seus dias de cabelo scene e sombra fúcsia nos olhos sumiram das páginas originais. Até a imagem de fundo do perfil dele no MySpace sumiu, o que pode ter acontecido porque era um arquivo temporário que ele não se coçou para trocar, ou porque o site de hospedagem barato que usávamos foi pro saco. Mas ainda há um banquete de nostalgia para se deleitar. O que temos aqui é um perfil que existe no limbo criativo de 2006: a lacuna entre a saída dele do From First To Last e o seu lançamento oficial como Skrillex.

A DESCRIÇÃO PESSOAL DELE

É impossível que algum de nós não se identifique com isso. Em um momento ou outro, todos nós fomos o “quem sou eu” do Skrillex de 18 anos. Em apenas cinco frases simples, ele captura a verdadeira batalha que é lidar com a fama e a puberdade simultaneamente — como se só uma delas não fosse suficientemente conturbada. Aqui está Sonny Moore, rebatendo toda a merda que as pessoas têm falado dele nos últimos dois anos, mais ou menos, dizendo: “Ei! Calem a boca, babacas!”. Ao menos, é o que parece na superfície. Mas essa é só a ponta de um iceberg de traumas. E essa é a questão, na verdade: seja estudando em casa porque sofreu bullying, cantando “nota mental, sinto terrivelmente a sua falta” ou soltando os graves mais sujos do mundo, Sonny Moore sempre foi incompreendido. Mesmo hoje, umas das perguntas feitas mais frequentemente sobre ele na internet é: “Qual é o significado de Skrillex?”. Fale o que quiser sobre ele, mas se isso não é evidência de um artista interessante, não sei o que é.

Queria que os links para os posts do blog ainda funcionassem, mas infelizmente, nunca saberemos o que é “faeog”, ou que perguntas e respostas ele tinha a oferecer sobre o quinto disco de estúdio do Richard D. James, Drukqs. Nem uma busca no Google por “incandescência supermundana” consegue esclarecer o que é isso, embora seja uma página de interesse no Facebook com uma curtida solitária. Sonny, é você?

OS INTERESSES GERAIS DELE

Nunca achei que veria “missões”, a dieta de Atkins e a foto de um bicho-preguiça enfileirados como interesses gerais, mas também, nunca tinha visto o antigo perfil do Skrillex no MySpace. Considerando que toda a carreira musical dele tem consistido em criar barulhos antes desconhecidos aos ouvidos humanos — trabalhando na obra-prima trash do Harmony Korine, Spring Breakers, num segundo e fazendo uma parceria com o Diplo no próximo — o fato dos assuntos preferidos dele serem igualmente obscuros e sem a menor explicação provavelmente faz muito sentido.

FALSA DISNEY

Devo apontar que essa coluna da página é bem extensa, e que essa imagem de A Bela e a Fera é só uma de várias das princesas da Disney. Outras incluem a Branca de Neve mordendo uma maçã envenenada e a Bela Adormecida cercada por espinhos. Só posso presumir que isso seja um meta-comentário sobre como as mulheres são retratadas na maioria das letras emo.

OS INTERESSES MUSICAIS DELE

Essa lista é tão grande que praticamente consigo ouvir a conexão discada sofrendo para processar tudo. A falta de pontuação meio que funciona como um “Onde Está Wally?” para os “entendidos” — tipo, você acha ali o Crass, o A Tribe Called Quest e o próprio Skrillex, além de muitos outros nomes óbvios, mas se alguém sabe se “4 Goon Gumpas Logon Rock Witch Cliffs Grass Rhubarb Trolls” é uma ou várias bandas, eu adoraria saber. Destaque para a última frase, mostrando um Skrillex que devagarzinho está descobrindo o trance, o protótipo da música eletrônica “mãos para cima” que ele viria a personificar.

Depois disso, temos Ali G listado em “televisão”, A Longa Jornada em “livros”, e, em “heróis”, só tem uma fotografia muito grande e intensa da cara do Aphex Twin.

OS COMENTÁRIOS

Aqui tem uma coisa interessante sobre o MySpace e a cultura musical criada em torno dele: por causa da prevalência de bandas dominadas por homens com grandes bases de fãs femininas, os meninos sofriam a mesma quantidade de abuso relacionado a aparência que as meninas. Contraste isso com a seção de comentários do perfil da Ke$ha — que pinta o retrato de um mundo lindo, onde as únicas pessoas que se davam ao trabalho de interagir com você na internet eram aquelas que vinham dizer que você era bonito e que adoravam as suas músicas — e você pode observar uma mudança interessante no comportamento das pessoas na internet no espaço de uns dois anos. Obviamente, os fãs do Sonny Moore vinham defendê-lo, mas a julgar pelos comentários e pela descrição pessoal dele, parece que o moleque não conseguia nem tirar a franja dos olhos sem ser atingido por um insulto, o que, considerando que ele foi responsável por fazer uma música que envelheceu melhor do que a maioria de nós como pessoas, me entristece.

Outra coisa interessante sobre o MySpace é que as pessoas de algum modo tinham ainda menos filtro do que têm agora, e se encarregavam de informar elas mesmas as celebridades globais sobre a data de lançamento dos seus discos, quando entraram no site pela última vez e informações aleatórias sobre interesses em comum que poderiam levar a uma ficada.

Cuidado! Tem um momento extremamente importante da história do emo abaixo. Para quem não sabe, este comentário é uma referência à versão de Sonny e Sean Friday (que era baterista do in Dead Sara / Sonny and the Blood Monkeys, mas hoje em dia, POR ALGUM MOTIVO, só é conhecido como o novo namorado da Demi Moore) para a objetivamente perfeita “Seven Years”, do Saosin.

Resumindo:

De Sonny, príncipe do MySpace, a Skrillex, príncipe do “solta esse grave”, Moore passou por muitas nuances desde o começo das redes sociais e sempre ficou por cima. Tudo que nos interessa, tudo que pensamos que somos e que um dia esperamos ser, Sonny Moore sempre foi isso multiplicado pelo infinito. Em 2004, atento ao cenário da música sentimental, ele produziu “Emily”. Em 2006, abandonou a sua banda, a cultura do MySpace e aparentemente deixou de ligar para tudo isso muito antes do resto de nós, deixando apenas fragmentos de informação e fotos de bicho-preguiça como rastro. Depois, entrou na onda da música de rasgar os tímpanos logo antes de ela estourar e se tornou um dos maiores DJs do mundo, abocanhando vários Grammys ao longo do caminho pelo seu trabalho — mantendo basicamente o mesmo visual e comportamento, devo acrescentar, que ele sempre teve.

Graças a Deus existe o Sonny Moore: homem, mito e ícone transgeracional do qual não sabíamos que precisávamos até ele chegar e melhorar tudo.

Emma passou 2004 ouvindo Morrissey no carro dela. Siga-a no Twitter.

Tradução: Fernanda Botta

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