Tem dias em que eu odeio o Rio de Janeiro. O estado de guerra não declarada e a falta de consciência da população mais abastada, junto com uma indiferença geral da sociedade, me deixam enjoado. Essa quarta-feira foi um dia desses. Cobri meu primeiro enterro. Foi de um garoto de 13 anos, Gilson da Costa Silva, e dum jovem de 24, Wanderson de Jesus Martins. Eles foram mortos por um policial da Polícia Civil durante uma operação no Morro do Dendê, Ilha do Governador, Zona Norte do Rio.
Ao chegar ao cemitério da Cacuia, também na ilha, entro com calma e todo o respeito – nunca se sabe qual a reação dos fotografados num momento tão delicado e íntimo. Mas, naquela tarde de céu aberto, os familiares clamavam pela cobertura da mídia.
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O primeiro enterro que percorreu a alameda central do cemitério foi o de Wanderson. Somente quando o caixão toca a terra, no fundo da cova, parece que um estalo atinge os familiares mais próximos: a dor, até então em certo nível contida, agora toma conta do corpo. As pernas não se sustentam mais, os gritos e as lamúrias tomam o lugar do choro silencioso. Pedidos de justiça, canções de cunho religioso, ódio e palmas se misturam num ritual comovente. Tento não segurar o dedo no obturador e fazer menos fotos, menos barulho, ao mesmo tempo em que sinto que meu dever é estar ali. O que dizer para a família que perdeu um jovem que tinha acabado de assinar a carteira de trabalho no dia 4 deste mês?
Meia hora depois, sobe o caixão do Gilson, de 13 anos. É um caixão tão grande, tão pesado. Os colegas, ainda de uniforme, vindos da aula pela manhã, se abraçavam e choravam.
Ele cursava a sexta série na Escola Municipal Dunshee de Abranches. Depois do sepultamento, cerca de 350 pessoas fizeram uma manifestação pacífica pela Ilha do Governador, pedindo justiça e cantando o que parece ser um hino não oficial das comunidades cariocas: “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci”. Enquanto essa frase ecoava bem alto, não fotografei mais.